“Pequeno agricultor precisa estar no centro da discussão sobre políticas climáticas e alimentares”, diz Virgínia Antonioli, do WWF-Brasil
quinta-feira, novembro 10, 2022
O mundo tem o desafio de construir um sistema alimentar que possa suprir mais de 9 bilhões de pessoas até 2050 em um Planeta mais quente e sujeito a extremos do clima mais catastróficos. Quais os caminhos para cumprirmos esse desafio com sustentabilidade? Que mudanças na forma que produzimos e consumimos alimentos podem reduzir danos futuros ligados à degradação dos ecossistemas e à alta do termômetro?
No momento em que o mundo discute soluções para a crise do clima na COP27, no Egito, um novo estudo do WWF-Brasil aponta "alavancas" virtuosas ao nível nacional e global para uma transformação nos sistemas alimentares, capaz de lidar com as crises climáticas e de perda de biodiversidade simultaneamente. Fortalecer pesquisa e desenvolvimento, financiar programas de alimentação escolar, ter uma política de redução de uso de agrotóxicos e apoiar os pequenos produtores são algumas delas.
“Os pequenos agricultores precisam estar no centro da discussão de políticas climáticas e alimentares”, diz Virgínia Antonioli, analista sênior de conservação do WWF-Brasil, em entrevista ao podcast Entre no Clima, de Um Só Planeta. "Do ponto de vista geográfico, o mundo tem o desafio de reduzir os ciclos de produção e consumo. Ter pequenos produtores espalhados pelos territórios é essencial para combater a insegurança alimentar e os desertos alimentares".
Desertos alimentares são áreas onde o acesso a alimentos in natura, como legumes, frutas e hortaliças, é dificultado, embora haja alta oferta de alimentos ultraprocessados e que, geralmente, estão em áreas mais pobres das cidades, aumentando também a pressão sobre a saúde da população. "E do ponto de vista climático, como agricultura é diretamente afetada pelos extremos, o pequeno produtor acaba ficando mais vulnerável, muitas vezes sequer tem reserva no caso de quebra de safra", acrescenta.
A pesquisa “Resolvendo o Grande Quebra-cabeça Alimentar: 20 alavancas para expandir ações a nível nacional” analisou quatro países -- Brasil, Colômbia, Quênia e Emirados Árabes Unidos -- a partir da ecologia específica de cada um e disponibilidade de recursos, como água e terra, seus sistemas de produção de alimentos e impactos ambientais associados. "Ao tipificar esses sistemas globais, a gente consegue achar alguns desafios e soluções comuns que podem estimular a troca de conhecimento e experiências entre os países", indica Virgínia.
Quênia e Emirados Árabes Unidos, por exemplo, têm emissões de gases de efeito estufa e perda de biodiversidade per capita relativamente menores que o Brasil e a Colômbia. O Brasil, por sua vez, contém vários biomas que são globalmente significativos em termos de carbono, como a Amazônia, de biodiversidade e apoio aos meios de subsistência dos povos indígenas e tradicionais.
Os sistemas alimentares são atualmente uma das maiores causas de perda de biodiversidade em todo o mundo: 70% de toda a perda de biodiversidade em terra e 50% do consumo de água doce estão intimamente ligados à forma como produzimos alimentos e ao que comemos. A conta é do relatório Planeta Vivo, do WWF, lançado mês passado, que mostra que os números da população da vida selvagem caíram em média 69% de 1970 a 2018. Paralelamente, os sistemas alimentares geram cerca de 30% de todas as emissões de gases de efeito estufa, contribuindo significativamente para as mudanças climáticas.
E o Brasil nesse quebra-cabeça?
Dono da flora mais diversificada do mundo, com 55 mil espécies (22% do total mundial) identificadas até o momento, o Brasil é considerado um ponto crítico ou “hotspot” dos sistemas alimentares. Devido às suas características naturais, o país tem maiores impactos nacionais e globais quando degradado, assim como, por outro lado, tem alto potencial de ganhos positivos pela implementação de ações de conservação.
"Um dos pontos que caracteriza o Brasil como um hotspot é que há muito carbono armazenado no solo, e no momento do desmate as emissões são muito altas. É consenso, porém, que não é necessário desmatar para produzir", destaca a especialista. Por meio do programa ABC+, o Brasil já investiu na promoção da adoção de práticas agrícolas de baixo carbono, como sistemas integrados de lavoura-pecuária-agrofloresta, restauração de pastagens e plantio de florestas comerciais.
O estudo lembra que práticas de produção positivas para a natureza não só beneficiam a biodiversidade e o clima, mas também melhoram outros serviços ecossistêmicos que apoiam meios de subsistência locais e fortificam o sistema. Há, ainda, a recuperação de pastagens degradadas, que desponta como um filão de oportunidades: um estudo do Observatório de Bioeconomia da FGV estima que a implementação de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas teria o potencial de gerar receitas mais do que suficientes para compensar os custos, estimados em R$ 380 bilhões.
Um passo importante, independentemente do país em foco, segundo ela, é a elaboração de uma estratégia sistêmica para a produção e consumo de alimentos. Isso se traduziria em ter mais subsídios, transferência de tecnologia no campo, programas de compra de alimentos, expansão do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), crédito rural para pequenos produtores e uma legislação mais restritiva quanto ao uso de agrotóxicos. "Fazer isso de forma coordenada funcionaria para todos os países", afirma.
Virgínia destaca que no Brasil, ainda se prioriza a produção em larga escala de maneira industrial de commodities, inclusive com proporção premente dessa produção em biomas-chave, como Amazônia e Cerrado, tendo relação tanto direta e/ou indireta com o desmatamento -- "uma questão séria, principalmente quanto se fala em emissões de gases de efeito estufa e de perda de biodiversidade".
Também critica o uso "indiscriminado" de agrotóxicos na produção, "que contamina pessoas, solo e recursos hídricos". E pondera que, ao mesmo tempo, temos pequenos agricultores que produzem alimentos, incluindo agroecológicos e orgânicos. "Precisamos pensar no que queremos incentivar para reduzir esse impacto negativo do nosso sistema alimentar", afirma.
O relatório do WWF recomenda, ainda, a utilização de programas de rastreamento que garantam uma produção livre de desmatamento e alinhem as práticas de produção aos padrões de sustentabilidade das principais regiões de importação, como a União Europeia. "Existe uma responsabilidade dos compradores e distribuidores, como tem demonstrado o caso recente da UE, que vem discutindo regras para barrar a entrada de produtos atrelados ao desmatamento", diz, sinalizando que "a mobilização empresarial e mercadológica também é necessária". Construir sistemas alimentares à prova de crises é cada vez mais um trabalho coletivo.
Fonte: Um só Planeta
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