O papel das florestas na economia: o exemplo do Espírito Santo
sexta-feira, outubro 08, 2021
O Brasil, único país do mundo com nome de árvore, teve seu primeiro ciclo econômico, o do Pau-Brasil, relacionado ao extrativismo da floresta. As florestas continuam sendo fundamentais para a prosperidade econômica, pois prestam serviços ecossistêmicos relacionados à água, à segurança alimentar e ao clima, além de abrigarem a biodiversidade e serem fonte de emprego e renda para comunidades locais. Cresce, assim, o entendimento de que conservar florestas e restaurar aquelas que já foram degradadas representam muitas oportunidades econômicas e de negócios.
Uma das atividades que traz essas possibilidades é a silvicultura de espécies nativas, segmento no qual o Brasil tem vocação natural para ser um líder global, não apenas pelo nome, mas sobretudo devido às condições climáticas e do solo (edafoclimáticas). Esse tipo de silvicultura pode impulsionar a produção sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros e gerar retorno econômico para produtores rurais e investidores.
Atualmente o país atende menos de 10% da demanda global de madeira tropical, mas poderia chegar a 50%, caso parte dos milhões de hectares de pastagens degradadas, com baixa aptidão agrícola, fosse usada para o cultivo de espécies arbóreas nativas. A silvicultura de nativas também pode ser feita considerando o fornecimento de insumos para as indústrias farmacêutica, cosmética e de alimentos a partir da coleta de frutos, sementes, mel, castanhas e essências.
Tudo isso gera riqueza para as pessoas e empresas que dependem de forma direta ou indireta dos produtos e serviços das florestas, como é o caso não apenas de comunidades tradicionais extrativistas, mas também de qualquer negócio que dependa de água ou polinização para prosperar. Para muitas empresas, investir nesse tipo de atividade é uma ótima oportunidade para alavancar seus compromissos voluntários de ESG (sigla que se refere às práticas ambientais, sociais e de governança corporativas).
A silvicultura de espécies nativas é uma agenda ambiental importantíssima, mas também de negócios. Como muitas pesquisas já mostram, a recuperação ambiental e de florestas pode gerar mais emprego do que o setor de petróleo e gás. A demanda por produtos da floresta já existe e seu potencial é alto nos mercados interno e externo. Mas eles ainda são pouco aproveitados por conta de obstáculos, como falta de financiamento e investimento, pesquisa e desenvolvimento e incentivos.
Por isso, é preciso investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D), aprimoramento do marco regulatório e mecanismos financeiros, a exemplo do que foi realizado com espécies exóticas em um passado não muito remoto. Assim, será possível fazer da silvicultura de espécies nativas um setor pujante, do ponto de vista geográfico e socioeconômico, como é o das florestas plantadas de pinus e eucalipto, usadas pela indústria de papel e celulose com sucesso. Mas, para isso, há necessidade de convergência de esforços comuns entre poder público, iniciativa privada, sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa.
Um exemplo de iniciativa que vai nessa direção é o Acordo de Cooperação Técnica firmado recentemente entre o governo do Espírito Santo e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, para a criação de um polo de silvicultura de espécies nativas naquele estado. O assim formado Grupo de Trabalho (GT) de Silvicultura de Espécies Nativas conta com a participação de institutos e secretarias estaduais, organizações não-governamentais e representantes do setor privado, que estão atuando em conjunto, com o objetivo de remover barreiras e criar incentivos para que essa atividade tenha maior atratividade econômica e ganhe mercado e escala.
O Espírito Santo possui importantes elementos e arranjos para promover a silvicultura de espécies nativas. O estado já tem um histórico de sucesso, reconhecido internacionalmente, por meio do programa “Reflorestar”, além de mais de 40 anos de pesquisas com espécies nativas lideradas pela Reserva Natural Vale. As políticas públicas convergem para um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma nova economia verde por meio de um trabalho sério de recuperação de florestas e da silvicultura de espécies nativas, pois há uma estratégia sólida e robusta voltada para o combate às mudanças climáticas, legado para as futuras gerações por meio do fundo soberano e um mindset voltado para a atração de negócios que priorizem a sustentabilidade em seu sentido amplo.
A regulação, por sua vez, está sendo aprimorada para premiar aqueles que adotem ações voltadas para a agenda ESG, como os programas “GERAR” e “Linha Verde”, além de linhas de crédito específicas para a economia verde fomentadas pelo Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (BANDES). A ideia é que esse exemplo seja levado a outros estados do país.
Vale lembrar que a silvicultura de espécies nativas está inserida em um movimento mais amplo, de restauração florestal e reflorestamento, considerado uma das melhores estratégias para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Os fenômenos climáticos mais intensos, como secas prolongadas, já impactam outros setores, como o agropecuário e a indústria.
O Brasil assumiu, ainda, compromissos internacionais, como o Acordo de Paris e o Desafio de Bonn, que pedem iniciativas robustas e proativas para que sejam cumpridos, e a silvicultura de espécies nativas faz parte desse contexto. Alguns governos subnacionais, incluindo o do Espírito Santo, também estão aderindo a iniciativas como o Race to Zero e implementando ações estruturadas que garantam o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para estados e municípios previstos na Agenda 2030 da ONU. Um exemplo é a implementação do Programa Estadual de Sustentabilidade e Apoio aos Municípios (Proesam), que coloca o Espírito Santo no ranking de primeiro estado brasileiro a ter 100% dos municípios realizando licenciamento ambiental.
Esta é a Década de Restauração de Ecossistemas, anunciada pela ONU com a intenção de conclamar o mundo a se unir para restaurar os ecossistemas, que contribuem para a regulação do clima, para a segurança hídrica e alimentar, entre tantos outros benefícios e sem os quais não há sustentação para a vida na Terra. A silvicultura de espécies nativas pode ser um fator a contribuir com esses esforços, com uma nova economia, e o Brasil tem tudo para se tornar líder global nessa agenda, fazendo jus a ser o único país do mundo com nome de árvore.
*Jaluzza de Araujo, Relações Governamentais e Institucionais da Vale S.A. no Estado do Espírito Santo, e Miguel Calmon, Americas Carbon Finance Lead da Conservação Internacional (CI), são, respectivamente, membro e colíder da Força-Tarefa (FT) de Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura; Rubens Benini, gerente em Restauração Ecológica na The Nature Conservancy (TNC), é colíder da FT de Restauração da Coalizão.
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