Agricultores são exemplo na produção sustentável
segunda-feira, julho 20, 2020
Mearim
O território da cidadania do Médio Mearim está situado numa zona de transição entre a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga, onde predominam as florestas secundárias da palmeira babaçu. Segundo o pesquisador Roberto Porro, a região conta com uma história de muitos conflito e sendo ainda hoje, desassistida por políticas públicas efetivas. De acordo com levantamento da Assema, mais de 130 mil pessoas vivem na área rural do Médio Mearim, sobretudo agricultores familiares, assentados e comunidades quilombolas.
“Ao longo dos anos, o território perdeu boa parte da sua cobertura florestal nativa, por conta do desmatamento para formação de pastagens e agricultura extensiva”, relata Raimundo Ermino Neto, coordenador-geral da Associação. O babaçu, palmeira que sempre esteve presente na composição da vegetação originária, passou a dominar a paisagem em sucessão, tornando-se a espécie florestal predominante.
Práticas do bem-viver
As iniciativas selecionadas entre mais de mil famílias envolvem práticas agropecuárias e florestais que aliam os saberes tradicionais das comunidades locais a tecnologias adequadas à realidade do meio rural. “Elas evidenciam uma capacidade técnica de inovação da agricultura familiar em biomas importantes como a Amazônia, a Caatinga e o Cerrado”, afirma Maria Cléria Valadares-Inglis, chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.
Segundo Porro, o trabalho integrou uma metodologia para registrar diversas opções de situações produtivas que caracterizam o que localmente é considerado como bem viver.
A seleção das iniciativas levou em conta o destaque das famílias na condução de uma ou mais atividades em oito eixos produtivos: reflorestamento, sistemas agroflorestais e cultivos perenes diversificados para restauração de áreas degradadas e conservação da biodiversidade; cultivos anuais intensificados sustentáveis que demandam menos mão de obra ou menos área; cultivos anuais tradicionais com menor impacto ambiental; cultivos comerciais de hortaliças; pecuária em pastagens produtivas integradas em babaçuais; inovações na criação de pequenos animais; processamento de frutas, mandioca ou leite; e processamento do coco babaçu para produção de azeite, carvão, mesocarpo e confecção de artesanato.
“Identificamos as dimensões do caráter exitoso observado em cada caso pela equipe que conduziu esse trabalho ao longo de 18 meses”, diz o pesquisador. O grupo colheu depoimentos, imagens e gerou textos que poderão ser utilizados em processos de aprendizado e compartilhamento do conhecimento. “Cada publicação retrata, portanto, o trabalho muito mais amplo realizado por centenas de famílias no território”, conclui Porro.
Saber tradicional vinculado à tecnologia
A publicação destacou a restauração de áreas de preservação permanente, como as margens dos igarapés, com plantio de espécies arbóreas; a restauração produtiva de áreas com sistemas agroflorestais; a produção de mudas florestais como, mogno, aroeira, ipê, jatobá, mutamba, maçaranduba, angico-branco, paricá, angelim; e em particular o uso de espécies leguminosas como o sabiá, para recuperação da fertilidade do solo.
Para o pesquisador da Embrapa Anderson Sevilha, coordenador nacional do Projeto Bem Diverso, a Coleção Mestres do Agroextrativismo no Mearim inaugura a linha editorial aberta pela Empresa para tratar do papel do extrativismo na conservação da biodiversidade e no desenvolvimento territorial em bases sustentáveis. Segundo ele, o registro dessas práticas traz luz ao processo de formação desse conhecimento.
“Viabilizar essas ações não se restringe apenas ao reconhecimento da importância do trabalho dessas populações, mas, acima de tudo, possibilitar e buscar oportunidades para sua consolidação e multiplicação”, diz Sevilha.
Com relação à produção agropecuária, além do plantio de culturas alimentares anuais e hortaliças com menor impacto ao meio ambiente, a coleção destacou a diversificação de culturas perenes, com ênfase na produção de espécies frutíferas como banana, cajá, caju, acerola, cupuaçu, açaí e abacaxi, entre outras. O trabalho enfatizou ainda o beneficiamento das frutas, com a produção de polpas, que figura entre as principais oportunidades econômicas para as famílias.
A pesquisa identificou também técnicas de recuperação do solo consagradas pela ciência, como a cobertura do solo com biomassa, que mantém a umidade do solo e aumenta disponibilização de nutrientes aos cultivos; além do uso de biofertilizantes e de defensivos naturais. E a intensificação da produção de mandioca, arroz, milho e feijão com menor impacto ambiental, substituindo o corte e a queima no preparo das áreas pela cobertura morta, e realizando a alternância de áreas com, no mínimo, seis anos de descanso.
De acordo com o pesquisador Roberto Porro, os avanços alcançados por essas famílias integram dimensões econômicas às ambientais e sociais. Ele ressalta ainda que a diversidade das práticas sustentáveis empregadas pelas famílias é algo que se repete em diversos outros contextos de predominância da agricultura familiar, que, porém, não têm visibilidade. A iniciativa pode, portanto, ser vista como uma semente a ser replicada para dar maior destaque ao protagonismo local.
Para a pesquisadora da Embrapa, Tatiana Sá, o trabalho mostra os desafios da atividade agroextrativista da região, e as saídas que as famílias encontraram na agricultura familiar, no extrativismo do babaçu e de outras palmeiras. “Se pensarmos em um processo de transição agroecológica, essas experiências nos mostram uma diversidade de atividades que vão para além da agropecuária, vemos uma atividade da sociobiodiversidade de famílias que vivenciam o desafio diário de encarar sua sobrevivência”, analisa.
Fonte: Canal Rural
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