Com apostas em etanol, usinas do Brasil ampliam investimentos em produção
quarta-feira, dezembro 05, 2018
Preços mundiais do açúcar em queda e políticas governamentais devem impulsionar a demanda pelo biocombustível no país.
As usinas brasileiras estão aumentando a capacidade de produção
de etanol diante dos preços mundiais deprimidos do açúcar e das políticas governamentais que
devem impulsionar a demanda pelo biocombustível no país.
Uma mudança para o etanol na safra de
2018/19 reduziu a produção de açúcar do Brasil em 9 milhões de toneladas, para
uma mínima em 12 anos, e uma maior alocação de cana para o biocombustível na
próxima temporada poderia ajudar a acabar com um superávit global que pesa
sobre os preços do adoçante.
O Brasil também pode perder seu posto de maior produtor de açúcar do
mundo para a Índia pela primeira vez em 16 anos, de acordo com
o Departamento de Agricultura dos EUA. Para as processadoras de cana
brasileiras, a mudança para etanol provou ser um "trade-off"
atraente, já que o foco maior no biocombustível parcialmente protegeu as usinas de uma queda nos preços
globais do açúcar em setembro para o menor nível desde 2008.
Executivos das grandes empresas
brasileiras de açúcar Biosev e Usina Coruripe, bem como de pequenas produtoras
como Usina Batatais e Usina Cerradão, disseram à Reuters que agora estão
investindo em mais capacidade de etanol antes da próxima temporada.
A Biosev, por exemplo, a segunda maior
processadora de cana do Brasil, disse que instalou colunas de destilação em
duas usinas do Mato Grosso do Sul para dar às unidades a opção de usar 90% da
cana para o álcool, um incremento de 50%.
Em outro sinal de que a indústria está
fazendo uma aposta de longo prazo no etanol, em linha com a política brasileira
de biocombustíveis, a JW, uma das principais fabricantes de equipamentos para
etanol, disse à Reuters que contratou 200 pessoas para lidar com um aumento nos
pedidos.
Políticas de incentivo
O Brasil lançou pela
primeira vez políticas para usar mais biocombustíveis em 1975, depois que o
embargo de oferta da Opep elevou os preços do petróleo. Os chamados carros
flex, que funcionam com etanol puro ou uma mistura de gasolina e etanol, agora
compõem 80% da frota de veículos leves do Brasil.
Em um novo impulso, o governo aprovou o
RenovaBio, que obriga os distribuidores de combustíveis a aumentar gradualmente
a quantidade de biocombustíveis que eles vendem a partir de 2020.
O Ministério de Minas e Energia do
Brasil espera que o RenovaBio empurre a demanda para 47,1 bilhões de litros em
2028, de 26,7 bilhões em 2018, ajudando a indústria brasileira de etanol a se
recuperar de anos de competição desleal com preços subsidiados da gasolina.
"Os investimentos só são feitos a
longo prazo", disse Plinio Nastari, presidente da consultoria Datagro.
"Parte desses investimentos está sendo feita por causa do estabelecimento
dessas metas."
Apostas no etanol
O mercado global
também pode oferecer oportunidades para produtores brasileiros de etanol, à
medida que os países buscam maneiras de reduzir sua pegada de carbono,
incluindo a China, que está lançando o uso de etanol em combustível em todo o
país até 2020.
Nesta temporada, as usinas brasileiras
destinaram 64% da oferta de cana para o etanol, já que as vendas domésticas
aumentaram em cerca de 40% devido aos altos preços da gasolina no Brasil, o
quarto maior consumidor mundial de combustível para transporte.
Muitas usinas já podem produzir açúcar
ou etanol, com alguma flexibilidade no mix. As empresas que investem em colunas
de destilação esperam que as reconfigurações lhes deem espaço para produzir
ainda mais etanol se os preços continuarem atrativos.
Além da Biosev, controlada pelo trading
de commodities Louis Dreyfus, a Usina Coruripe, uma das dez maiores
processadoras brasileiras de cana, disse que planeja investir cerca de R$ 300
milhões para esmagar mais cana e aumentar sua capacidade de produção de etanol.
"Nosso mix ainda é muito alto em
açúcar devido à configuração das usinas, mas estamos tentando mudar isso",
disse o presidente-executivo, Mario Lorencatto, à Reuters.
A Usina Batatais, empresa que pode moer
7 milhões de toneladas de cana por safra em suas duas usinas, disse que as
mudanças feitas na última temporada em uma de suas fábricas no Estado de São
Paulo significaram que ela poderá destinar até 80% ao etanol.
"Quase dobramos a produção de
etanol hidratado do ano passado para este", disse à Reuters Luiz Gustavo
Junqueira, gerente de inovação da Usina Batatais.
Embora os investimentos variem, uma
usina de médio porte pode gastar cerca de R$ 20 milhões para adicionar uma
coluna de destilação que aumenta a produção de etanol em 40 milhões de litros,
disse Willian Hernandes, sócio da consultoria financeira FG/A, que ajuda as
usinas a levantar capital.
Hernandes disse que três empresas podem
começar a expandir sua capacidade a partir deste mês, antes da próxima safra de
cana-de-açúcar, em abril.
As usinas também estão investindo em
tanques de armazenamento para que possam manter o etanol e vendê-lo quando os
preços estiverem mais altos, disse Alexandre Figliolino, que trabalhou no Itaú
BBA e agora assessora empresas de açúcar e etanol.
Açúcar em baixa
A dramática mudança
do Brasil para o etanol nesta safra cortou sua produção de açúcar em 20% e, se
o etanol continuar atraente na próxima temporada, as usinas poderão destinar
mais cana para o biocombustível.
"Com todos os planos de que ouvimos
falar, as usinas provavelmente poderiam tirar mais 2 milhões de toneladas de
açúcar do mercado na próxima temporada", disse Hernandes.
O Departamento de Agricultura dos EUA e
a Organização Internacional do Açúcar esperam que a Índia supere o Brasil em
2018/19 como o maior produtor mundial de açúcar.
O apelo do etanol sobre o açúcar é
influenciado por vários fatores, incluindo os preços da gasolina e da moeda
brasileira, por isso ainda é incerto o quanto de cana irá para o etanol em
2019/20.
"Sem o RenovaBio ainda, eu diria
que estamos olhando para a mesma situação", disse Eder Vieito, analista
sênior de commodities da Green Pool. "Se o mundo precisar de açúcar, os
preços do açúcar passarão a um nível de preços que o etanol não pode igualar --
sem perder demanda significativa para a gasolina."
"Os preços ainda estão enviando aos
produtores o sinal para manterem um forte foco no etanol no próximo ano",
disse Nastari, da Datagro.
Pegada de carbono
No entanto, os
estoques decrescentes de açúcar no Brasil têm suportado os preços domésticos, o
que poderia estimular um aumento de curto prazo na produção.
Também não está claro se o presidente
eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, manterá a política de alinhar os preços
domésticos dos combustíveis com os preços globais. Embora tenha melhorado a
competitividade do etanol ao remover os limites de preço da gasolina, o aumento
das cotações na bomba irritou muitos brasileiros.
O açúcar também tem um apelo para as usinas
porque os produtores podem cobrir os retornos com contratos futuros -- um
mecanismo que ainda não existe para o mercado doméstico de etanol, disse John
Stansfield, analista e trader do Grupo Sopex.
Fora do Brasil, o mercado de etanol deve
se expandir também graças às políticas destinadas a reduzir as emissões. A
consultoria em etanol e açúcar F.O. Licht espera que a demanda global aumente
pelo menos 2% ao ano na próxima década.
E embora o etanol brasileiro muitas
vezes não possa competir com a oferta de baixo custo dos EUA, o etanol de
cana-de-açúcar do Brasil tem uma pegada de carbono menor que pode atrair os
governos que se esforçam para cumprir os compromissos do acordo climático de
Paris.
A Colômbia, por exemplo, é um dos vários
países que estão mudando as políticas de biocombustíveis para priorizar o uso
de variedades com menor pegada de carbono. O etanol brasileiro começou a chegar
ao Estado norte-americano da Califórnia este ano porque os distribuidores de
combustível podem ganhar mais créditos sob o esquema de descarbonização do
Estado.
"Em comparação com os
biocombustíveis locais, como o etanol de milho, o etanol de cana do Brasil tem
uma pegada de carbono muito menor", disse o diretor da F.O. Licht,
Christoph Berg. "É, portanto, um combustível relativamente atraente".
As altas tarifas ainda representam uma
barreira em muitos países, incluindo a China, onde o etanol brasileiro está
sujeito a uma taxa de 30%, embora analistas afirmem que as tensões comerciais
entre Washington e Pequim possam fornecer uma oportunidade.
"No momento, não parece que a China
reduziria a tarifa de importação do etanol brasileiro", disse Berg.
"Mas ele pode ser competitivo se tal tarifa for removida."
Fonte: Reuters
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