Metade das pistas de pouso da Amazônia não tem registro, e terra indígena mais afetada é a Yanomami
quarta-feira, fevereiro 08, 2023
O projeto MapBiomas, que mapeia a cobertura terrestre do Brasil, identificou 2.869 pistas de pouso na Amazônia, mais do que o dobro daquelas que constam nos registros da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), sendo que 804 delas (28%) estão dentro de alguma área protegida. A área Yanomami é a que mais abriga essas instalações irregulares: são 75 pistas dentro da terra indígena ou junto a seus limites.
Em um relatório divulgado na terça-feira (7) pelos cientistas do projeto, mais de um terço das linhas de pouso que ficam dentro de terras indígenas ou unidades de conservação aparecem perto (a menos de 5 km) de áreas de garimpo, um indício forte de que a maior parte das pistas clandestinas foram criadas para dar apoio logístico a essa atividade.
Das pistas que ficam áreas protegidas, 520 estão em terras indígenas e 498 estão em unidades de conservação, como parques ou reservas. As regiões onde o garimpo mais alimentou a construção de linhas de pouso irregulares foram o sudoeste do Pará, o norte de Mato Grosso e o nordeste de Roraima, onde ficam os Yanomami. A região é alvo de uma operação especial do governo federal neste ano, que busca agora fazer a desintrusão da terra indígena começando por um fechamento do espaço aéreo.
Para o geólogo César Diniz, que liderou o trabalho de mapeamento, é "inequívoca" a ligação entre as atividades ilegais de mineração e a proliferação de pistas de pouso sem registro na Amazônia, a região que abriga 90% da atividade de garimpo do país.
— O garimpo na Amazônia, especialmente dentro de terras indígenas e unidades de conservação, ocorre em áreas densamente povoada por árvores, onde não há rodovias, ferrovias e o acesso fluvial não é tão fácil — explica. — Nessas condições, sem rota de entrada e saída, a via aérea é quase sempre é mais rápida, a mais eficiente e até a mais barata. É por isso que aviões de pequeno porte e helicópteros são a base do escoamento garimpeiro.
Diniz afirma que não tem como afirmar ainda, que todas as pistas encontradas pelos satélites sem registro da ANAC são irregulares. Caberia à própria agência fazer esse cruzamento de dados. A disparidade no número de registros e aquilo que o satélite mostra não deixam dúvida que a extensão da clandestinidade é grande.
Com relação às terras indígenas e unidades de conservação com categoria de proteção integral, contudo, é possível afirmar que as pistas sem registro encontradas ali são de fato ilegais, e dão suporte a operações bem financiadas.
— A quantidade de pistas e, consequentemente, de aeronaves em uso pelo garimpo, bem como o maquinário pesado empregado na atividade, indicam que o garimpo amazônico não é mais artesanal — diz Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.
Para o cientista, paralisar o uso dessas pistas de pouso é uma medida estratégica necessária para combater o garimpo ilegal na floresta.
— É preciso ir além, sofisticando a capacidade de rastrear a cadeia produtiva do ouro, geolocalizando o maquinário pesado, que é sempre utilizado pela atividade garimpeira, monitorando em tempo real os sinais de expansão garimpeira em TIs e UCs restritas — explica Azevedo.
Depois da área Yanomami, as terras indígenas Raposa Serra do Sol, Kayapó, Munduruku e o Parque do Xingu, são aquelas que mais abrigam pistas de pouso. O MapBiomas também mapeia áreas de garimpo e afirma que essas são as áreas indígenas que mais abrigam atividade ilegal de garimpo também.
Sem algoritmos complexos
O relatório sobre pistas divulgado pelo MapBiomas é o primeiro mapeamento público localizando essas informações. Instituições de governo, como a Aeronáutica e a própria ANAC, não haviam publicado ainda um conjunto de dados semelhante.
Segundo Diniz, o trabalho de mapeamento das pistas começou a ser feito no final de 2021, com uma equipe de cinco pessoas da empresa de geoinformação Solved, que é parceira do MapBiomas.
— O método por trás da contagem da detecção é absolutamente tradicional e não usa mecanismos sofisticados ou algoritmos complexos — diz.
Segundo ele, o Estado brasileiro tem capacidade de sobra para fazer o trabalho de identificação das pistas, mas precisa se organizar para fazê-lo.
— O Brasil tem, pulverizadas por vários institutos, alguns deles entes oficiais do governo, as informações sobre pista de pouso, só que essas informações estão ainda muito mal organizadas e muito mal distribuídas — afirma.
Fonte: Um só Planeta
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