Mercado regulado de carbono é promissor para o Brasil, mas criação está travada em Brasília
quarta-feira, outubro 19, 2022
Iniciativa considerada urgente para acelerar a transição do Brasil para uma economia de baixo carbono, a criação de um mercado regulado de carbono está parada no país. Em maio, o governo federal editou um decreto para regulamentar esse mercado. O texto prevê a criação de um sistema de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de transações de créditos de carbono, assim como planos setoriais para reduzir as emissões. No entanto, o decreto não impõe obrigatoriedade para os setores apresentarem seus planos, não estabelece quem são seus representantes e não oferece segurança jurídica a quem pretende participar.
“É um decreto para inglês ver. Ao ser genérico e depender do voluntarismo, esse decreto tem efeito nulo”, aponta Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS). “É um texto inócuo: não serve para a criação de um mercado regulado e não dá segurança jurídica para quem deseja investir”, afirma o advogado especialista em regulações climáticas Tiago Ricci.
De acordo com os especialistas, os mercados regulados mais consolidados do mundo - como o da União Europeia e o da Califórnia - funcionam no sistema cap and trade: o governo estabelece um limite (cap) de emissões e quem se mantiver abaixo dele pode vender (trade) seus créditos para os que ultrapassarem seus limites. “Quem emite acima do limite precisa comprar no mercado novas permissões para ficar dentro do patamar permitido. Com isso, você cria oferta e demanda”, explica Ricci.
Esse modelo que incentiva a redução das emissões é defendido pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), associação que reúne 100 empresas com atuação no Brasil, incluindo Ambev, Bradesco, BRF, Carrefour, Itaú, Petrobras e Vivo. “O CEBDS defende um ecossistema de mercados, incluindo um sistema cap and trade para o mercado regulado”, afirma Viviane Romeiro, assessora técnica do CEBDS.
Projeto travado no Congresso
Os especialistas apontam que o mercado de carbono no Brasil deve ser regulado por uma lei, e não por um decreto, para dar segurança jurídica à compra e venda dos créditos de carbono. “Vamos supor que mude o governo. Ele pode acabar com o decreto numa canetada só. Então, como é que esse mercado vai atrair players com a intenção de investir milhões de dólares num ambiente que pode mudar de uma hora para outra? É preciso uma lei para dar segurança jurídica aos investidores”, defende Tiago Ricci.
O advogado participou das discussões para a elaboração de um projeto de lei sobre o tema que está parado no Congresso. No ano passado, o PL 528, de autoria do deputado federal Marcelo Ramos (PSD-AM), foi debatido durante meses com representantes do setor produtivo, do terceiro setor e especialistas. Presidente da Comissão de Meio Ambiente, a deputada governista Carla Zambelli (PL-SP) é a relatora do projeto e alterou o texto de consenso.
“O PL 528 foi apensado a outro projeto da Câmara e ganhou um novo texto que desfigurou o original”, afirma Marcelo Ramos, do PSD. Após ser alterado, o projeto chegou a entrar na pauta de votações do plenário da Câmara dos Deputados, mas foi retirado por falta de acordo. Procurada pela reportagem, a deputada não se manifestou sobre o assunto.
Próximos passos
Pelo decreto nº 11.075 publicado pelo governo em maio deste ano, nove setores da economia têm até maio de 2023 para apresentar seus planos de mitigação das mudanças climáticas. No entanto, a participação não é mandatória e não há especificação sobre quem são os representantes. “Em cada setor, há inúmeras associações. Quem representa a indústria? É a Confederação Nacional da Indústria? Se você não especifica e não torna obrigatório, ninguém se mexe”, aponta Gustavo Pinheiro, do Instituto Clima e Sociedade. Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não se pronunciou sobre o assunto.
Até agora, seis entidades assinaram o protocolo de intenções para a elaboração dos planos: Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (ABIR), a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), a Associação União da Agroindústria Canavieira e de Bioenergia do Brasil (Unica), a Associação Brasileira De Energia Eólica (Abeeólica), a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e a Associação Brasileira do Alumínio (Abal).
Campo de oportunidadesNa avaliação do CEBDS, o Brasil precisa criar com urgência um mercado regulado para aproveitar as vantagens competitivas que possui – como a maior floresta tropical do mundo e uma matriz energética limpa – e evitar as sanções internacionais provocadas pela falta de ação no combate às mudanças climáticas. “Um mercado regulado de carbono é estratégico para o setor produtivo brasileiro, aumentando a produtividade e a geração de renda e empregos”, destaca Viviane Romeiro.
Entre os principais setores da economia brasileira que podem surfar com o comércio de créditos de carbono, Pinheiro destaca: o de energia, por conta do enorme potencial do uso de fontes renováveis no país; o de papel e celulose, que já é gerador de créditos no mercado voluntário; e o de agropecuária, por meio do aprimoramento tecnológico do setor.
Ricci aponta que o setor produtivo nacional deseja um mercado regulado no sistema de cap and trade por ser um modelo já testado, com benchmark e acompanhamento de resultados: “Se a gente quiser realmente ter algo eficiente no Brasil do ponto de vista regulatório, precisamos seguir as melhores práticas internacionais”.
Fonte: Um só Planeta
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