A inconstitucional alteração do modelo de comercialização do biodiesel
quinta-feira, dezembro 09, 2021
Com a Lei 11.097/2005 foi introduzido o biodiesel na matriz energética brasileira, promovendo dessa forma alterações às Leis 9.478/1997, 9.847/1999 e 10.636/2002.
Ainda em 2007 e por intermédio da Resolução CNPE nº 5, estabeleceram-se “diretrizes gerais para a realização de leilões públicos para aquisição de biodiesel”, por meio de modalidade que defendemos ser inconstitucional, conforme se demonstrará a seguir, observando-se que a Resolução nº 5 resta revogada pela que determinou a mudança do modelo de comercialização a partir de janeiro de 2022.
Em 2017, a Lei nº 13.576 disciplinou “sobre a política nacional de biocombustíveis (RenovaBio)”, pertencente que é o RenovaBio da “política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo” (Lei nº 9.478/1997).
Mais do que isso, o RenovaBio é, além de integrante da política energética nacional, programa instituído em atendimento a compromissos assumidos pelo Brasil para com o Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, cujo caráter sustentável reside na qualidade do produto biodiesel, pois que promove a “adequada relação de eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa”; renovado que foi esse compromisso na COP 26 [1].
E como afirma a própria Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em seu site oficial: o “RenovaBio é a política nacional de biocombustíveis e tem o objetivo de expandir a produção de biocombustíveis no Brasil, baseada na previsibilidade, na sustentabilidade ambiental, econômica e social, e compatível com o crescimento do mercado”, sendo que seus resultados positivos podem ser observados na “operacionalização da plataforma CBIO”, negociados na Bolsa.
Mais que isso, a Lei 9.847/1999 determina que as atividades de “produção, importação, exportação, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda, comercialização, avaliação de conformidade e certificação do biodiesel” são consideradas de utilidade pública, sendo finalidade da ANP “a regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis”, e por esta razão, e com apoio na inconstitucional Resolução CNPE nº 5/2017 e nas Leis 8.666/1993 e 13.576/2017, sua comercialização e distribuição no país vêm sendo realizadas por intermédio de leilões públicos.
A propósito dos leilões públicos, temos que a participação dos produtores de biodiesel se dá mediante o cumprimento de rigorosos fatores socioeconômico-ambientais, que vão desde apoio e incentivo à agricultura familiar e respeito às normas ambientais, garantindo ao produto o verdadeiro e legítimo título de “combustível verde”!
Ocorre que foi publicada no Diário Oficial da União, Seção I, de 30 de dezembro de 2020 a Resolução CNPE nº 14/2020, estabelecendo “diretrizes para a comercialização de biodiesel em todo território nacional”, sendo que, em apertada síntese, todo “biodiesel necessário(…), seja contratado mediante modelo de comercialização em substituição aos leilões públicos”, com impacto significativo para todos os agentes envolvidos.
A entrada em vigor do novo modelo de comercialização de biodiesel se avizinha – a partir de janeiro de 2022 –, com um sem-número de incertezas e insegurança jurídica para sua implementação.
Mais que isso, a Resolução CNPE 14/2020 mantém e ratifica a mácula de inconstitucionalidade para a comercialização do biodiesel, uma vez que em desacordo com o texto da Constituição, pois que em seu artigo 238 há o comando expresso de que “a lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição”.
Assim, muito embora a Lei 9.478/1997, artigo 2º., XI atribua ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a definição de “diretrizes para comercialização e uso de biodiesel”, e, com base nela, se pretende alterar a forma de comercialização de biodiesel no país através da Resolução CNPE 14/2020, por ordem de nossa Constituição essa competência é privativa da lei.
Combine-se a redação do artigo constitucional acima transcrito com a disposição contida no artigo 174 da Carta, no sentido de que qualquer alteração de ordem/medida econômica, como a ora analisada, somente poderá ser feita por lei, o que não se verifica até a presente data.
A intenção de criar modelo de comercialização para o biodiesel tem relevância econômica, ambiental, política, social e jurídica; daí que torna-se mais do que necessário apontarmos a necessidade de que a compra e venda do produto em uma nova modalidade de negócio/comércio esteja expressamente prevista em lei, de acordo com os citados artigos 174 e 238 da Constituição de 1988.
Se assim não for, afirmamos ser inconstitucional a Resolução CNPE nº 14, pois esse conselho tinha a competência única de “propor ao presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas a dar concretude aos objetivos acima apontados, por meio do uso racional dos recursos energéticos do país, do estabelecimento de diretrizes para programas específicos em relação ao uso dos biocombustíveis e da garantia, em função das características regionais, do suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou de difícil acesso do país”; mas não legislar sobre a matéria, pois, conforme já demonstrado, o comando constitucional determina que o regramento do modelo de comercialização do biodiesel deve se realizar por lei.
Assim, além dos produtores, agricultores familiares e todos aqueles que investem no setor que contavam com seu crescimento, sem esquecer de nós, consumidores, todos serão afetados pela alteração da regra de comercialização do biodiesel e as normatizações que estão ilegitimamente promovendo a obrigatoriedade do cumprimento de metas e contratos; combinada a isso tudo recente decisão que determinou o percentual de redução da mistura do produto em B10, sob argumento equivocado e não numericamente comprovado de que tal redução se dá em proteção ao consumidor final.
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