Jorge Francisco Macz, 9, semeia milho perto de uma plantação de palma na cidade onde vivia Jakelin, uma menina de 7 anos que morreu sob custódia americana Foto: Stringer . / REUTERS |
Na cidade de onde veio a menina que morreu sob a custódia da patrulha de fronteira americana, uma indústria pressiona o êxodo de camponeses
RAXRUHÁ, Guatemala - Na região pobre e montanhosa da Guatemala de onde vinha a menina migrante que morreu no mês passado sob a custódia da patrulha de fronteira dos Estados Unidos, o apogeu do azeite de dendê, também conhecido como óleo de palma, cada vez mais põe pressão sobre a população para emigrar.
Muitos camponeses no município de Raxruhá venderam terras a produtores do azeite, segundo moradores e funcionários locais, o que transformou a Guatemala em um dos maiores exportadores mundiais do produto em poucos anos.
Ao fazer isso, os agricultores abriram mão de terras que durante muito tempo os alimentaram, entrando em um estado de codependência com companhias do óleo de palma que se converteram em grandes empregadores, mas que não pagam o bastante para evitar que as pessoas emigrem, dizem críticos.
O prefeito de Raxruhá, César Castro, diz que as vendas de terras e o consequente dinheiro arrecadado para pagar coiotes, os traficantes de pessoas, são um importante fator para o aumento do número de famílias que partem da Guatemala, onde a pobreza e a violência são os principais fatores de emigração rumo ao norte.
— Estas pessoas conseguem dinheiro e partem para os EUA. Depois, a grande maioria volta para encontrar mais pobreza e termina como trabalhadora de sua própria terra — disse Castro.
Mais de 50 mil guatemaltecos foram detidos, a maioria em grupos familiares, na fronteira entre os EUA e o México em 2018, mais do que o dobro do período anterior. A maioria foi deportada.
Jakelin Caal, de sete anos, que morreu sob a custódia americana depois de ter febre, partiu de Raxruhá com o pai, que lutava para ganhar o suficiente para sustentar a família, como agricultor de milho, disseram os familiares.
Os traficantes de pessoas dizem às famílias que levar os filhos junto a elas pode facilitar o ingresso nos Estados Unidos.
Embora o pai de Jakelin não tenha vendido a suas terras, outros membros da família trabalharam em plantações de dendezeiros ao redor de seu povoado.
— O trabalho é matador — disse a Reuters Dorriam Caal, tio de Jakelin, que acrescentou que trabalhou para uma empresa local do azeite no ano passada. — Você precisa acordar às 3 da manhã e só volta às 10 da noite. Mesmo assim, o pouco que pagam não é suficiente.
Dorriam afirmou ganhar 60 quetzales (R$ 29) por dia trabalhando entre as seis da manhã e as seis da tarde para a Indústria Chiquibul, que foi catalogada como fornecedora por compradores internacionais de produtos, incluindo a ADM e a Cargill.
O pagamento estaria abaixo dos 90 quetzales estipulados como o salário mínimo diário para o setor agrícola em 2018. O Conselho Nacional de Deslocados de Guatemala, uma organização de defesa de direitos trabalhistas dos agricultores, apresentou uma queixa com a Cargill por causa dos salários em 2016 .
José María Ical, um agricultor local, disse que depois que a empresa concordou em aumentar seus salários para 91 quetzales. A Chiquibul não respondeu aos pedidos repetidos de comentários neste artigo. A ADM e a Cargill não estavam imediatamente disponíveis para responder a pedidos de comentários.
Indústria em expansão
Usado em alimentos, detergentes e combustíveis, o azeite de dendê ou óleo de palma é produzido principalmente na Indonésia e na Malásia. Nos últimos anos, a Guatemala se tornou o maior exportador das Américas, de acordo com a Associação de Palmicultores da Guatemala (Grepalma).
As exportações aumentaram quase sete vezes nos últimos dez anos, para 727 mil toneladas em 2017. Mais de um sétimo da área cultivada na Guatemala está localizada em Alta Verapaz, o departamento onde se localiza Raxruhá.
Cortada por estradas de terra sem calçada, a cidade, onde não há saneamento básico, é povoada por crianças e adultos que às vezes andam descalços, muitas vezes morando em casas de palha. Segundo o fazendeiro Ical, ele e outros venderam terras na região para a Chiquibul em 2010, quando a empresa comprou lotes por meio de intermediários que disseram ser fazendeiros. Mais tarde, os fazendeiros tiveram o acesso aos lotes bloqueados, quando se viram cercados por terras da Chiquibul.
— Eles praticamente me forçaram a vender— afirmou Ical.
A maioria dos que venderam agora trabalha para a indústria, ele disse. No entanto, Darlyn Lemus, uma professora de 30 anos, afirmou que as companhias de óleo de palma receberam críticas indevidas.
— Houve muita especulação de que a indústria de palma os forçou a vender, mas não é assim. As pessoas tiveram suas próprias razões — disse Lemus, cuja família é uma das poucas na área que manteve suas terras.
Outra empresa de óleo de palma em Raxruhá, a NaturAceites, disse à Reuters que a maior parte das terras que cultivam na Guatemala antes era dedicada à "pecuária intensiva", o que incluía produtores associados e operadores independentes.
Descrevendo a indústria como "a única possibilidade de trabalho decente em algumas partes do país," Hector Herrera, diretor da área de sustentabilidade da NaturAceites, disse que a empresa havia criado milhares de empregos e investido em estradas, escolas e centros de saúde.
A NaturAceites administra uma fazenda em Raxruhá que está em nome de um proprietário diferente, acrescentou, enfatizando que a companhia cumpriu todos os padrões de trabalho exigidos para o setor agrícola no país.
Fonte: O Globo
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