A forte tendência de aumento no consumo
de alimentos funcionais vem levando a comunidade científica a estudar cada vez
mais as propriedades bioativas de plantas brasileiras, sobretudo de grandes
biomas como a Amazônia e o Cerrado. Entretanto, o fruto da macaúba – palmeira
nativa encontrada em extensa área do território nacional – ainda não tinha
merecido a devida atenção dos pesquisadores, até que a engenheira de alimentos
Priscila Becker Siqueira decidiu avaliar seu potencial para utilização nas
indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. O que já vinha sendo
estudado é seu aproveitamento para a produção de biocombustível.
“O fruto da macaúba é característico do
Cerrado, mas muito pouco pesquisado do ponto de vista nutricional e
terapêutico, apesar do bom potencial científico e tecnológico. Decidimos,
então, fazer esta investigação”, conta Priscila, que defendeu em novembro a
tese de doutorado envolvendo a “Caracterização bioquímica e compostos bioativos
de macaúba (Acrocomia aculeata)”, junto à Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA) da Unicamp, com a orientação da professora Gabriela Alves Macedo.
Professora da Faculdade de Nutrição da
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) em Cuiabá, a autora da tese afirma
que a macaúba é abundante em áreas do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás,
Minas Gerais e também do território paulista. “A polpa e a amêndoa da fruta
podem ser consumidas in natura. Com ela também se faz doce, sorvete ou licor,
sendo que algumas comunidades, como as indígenas, produzem farinha da polpa
seca e paçoca da amêndoa.”
Segundo Priscila Siqueira, o uso da
macaúba como biocombustível vem despertando maior interesse dos pesquisadores
devido a sua composição lipídica, já que o fruto é rico em ácido oléico e ácido
palmítico. “Já existem plantações com esta finalidade, como no Mato Grosso do Sul,
mas ainda em fase de pesquisa, não se iniciou nenhuma produção industrial deste
biocombustível. Em relação ao óleo da amêndoa, existem outras potencialidades,
como seu uso em cosméticos ou em alimentos; é muito parecido com azeite de
oliva e óleo de palma (dendê), sendo usado na culinária doméstica.”
CARACTERIZAÇÃO
A pesquisa da engenheira de alimentos
teve duas vertentes. Uma delas foi caracterizar o fruto de macaúba do ponto de
vista enzimático, procurando saber quais enzimas estão presentes na polpa e
amêndoa e em que quantidades. “Esta caracterização é importante para a produção
enzimática industrial, visando alimentos, detergentes ou medicamentos. O fruto
é rico, por exemplo, em enzimas oxidativas (polifenoloxidase e peroxidase), que
causam escurecimento do alimento se não houver um tratamento prévio para
inativá-las”.
Priscila encontrou outras enzimas como
lipase, celulase e pectinase, estudando especificamente a lipase no extrato
bruto da polpa, por conta da maior atividade e de perspectiva para aplicação
tecnológica. “Fiz a caracterização bioquímica desta enzima para conhecer
propriedades como temperatura ótima de atividade e estabilidade, pH ótimo e de
estabilidade, o efeito de íons e de alguns ativadores e inibidores de atividade
enzimática, e sua estabilidade em solventes orgânicos. Também descrevo a
possibilidade de aplicação desta lipase em reações de hidrólise e síntese de
ésteres.” A outra vertente da tese de doutorado foi investigar a presença de
compostos bioativos no fruto de macaúba, visto que outras pesquisas apontaram
quantidades importantes de tocoferóis (vitamina E) e de beta-caroteno. “Como
essas pesquisas ficaram nisso, pensamos em procurar propriedades antioxidantes
e talvez antimicrobianas. E encontramos atividades antioxidantes devido à
presença de compostos fenólicos e flavonoides, que somados aos tocoferóis e
betacaroteno fazem com que o fruto tenha interessantes características
nutricionais.”
EXTRATIVISMO
O primeiro problema a ser vencido para
disseminar o consumo do fruto da macaúba, na opinião de Priscila Siqueira, é
que sua exploração ainda se dá de forma extrativista. “O coco é duro e a polpa,
muito aderida ao endocarpo da amêndoa, precisa ser retirada a faca pelas
comunidades locais, num processo demorado. Antes de tudo, seria necessário
viabilizar equipamentos para a extração. A Associação de Pescadores Artesanais
de Iscas de Miranda, no Pantanal, que recebeu uma despolpadeira desenvolvida na
Universidade Federal de Viçosa, extrai a polpa e a fornece para uma franquia de
sorvetes de sabores exóticos.”
Quanto ao sabor da fruta in natura, a
pesquisadora afirma que agrada bastante às pessoas que já cresceram em contato
com a macaúba. “Quem a experimenta pela primeira vez pode estranhar o sabor
marcante e aromático da polpa. Já a castanha, redonda e parecida com a noz
pecã, é saborosíssima, uma unanimidade. Acho que a importância do meu estudo
está em mostrar que este fruto pode oferecer retorno econômico para a indústria
e gerar renda principalmente para as comunidades mais carentes. Há fazendeiros
que querem eliminar a macaúba de suas propriedades por considerá-la quase uma
praga que não traz qualquer benefício para eles.”
/Foto: https://www.google.com.br
0 comentários
Agradecemos seu comentário! Volte sempre :)