Imagens de satélite da Amazônia estão abrindo caminho na Justiça para punir desmatadores ilegais
terça-feira, julho 05, 2022
A união entre tecnologia e natureza pode render bons frutos no combate a crimes ambientais no Judiciário brasileiro – resultando, por exemplo, em punições a quem promove o desmatamento ilegal na Amazônia com a ajuda de imagens de satélite. Uma pesquisa inédita sobre o resultado das ações do Ministério Público Federal (MPF) dentro do Programa Amazônia Protege, idealizado pelo próprio órgão para combater o desmatamento ilegal na Floresta Amazônica brasileira, mostrou que a iniciativa motivou a criação de jurisprudência para punição de desmatadores ilegais com o uso da tecnologia.
A confirmação da legalidade de provas obtidas remotamente, como as imagens de satélites e também os dados públicos sobre terras, pode acelerar punições e mudar o rumo da impunidade na região, avalia o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em pesquisa divulgada nesta terça-feira (5). A medida é considerada ainda mais relevante diante do atual cenário de crescimento dos crimes ambientais e da violência.
O estudo analisou os resultados dos processos encaminhados entre 2017 e 2020 dentro do Amazônia Protege, programa criado pelo MPF para responsabilizar os desmatadores ilegais por meio de ações civis públicas que tinham como a principal inovação o uso de provas obtidas de forma remota, sem a necessidade de vistoria em campo.
Nesse período, os pesquisadores levantaram mais de 3 mil processos movidos pelo órgão nos nove estados que compõem a Amazônia Legal. Os processos buscavam responsabilizar desmatadores ilegais pela derrubada de 231.456 hectares de floresta, com pedidos de indenizações que somam R$ 3,7 bilhões.
Conforme o estudo, das 259 sentenças em ações com réus identificados, 51 casos foram julgados procedentes, determinando a condenação do réu em primeira instância e incluindo um caso de assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta, em processos que envolviam 5.734 hectares desmatados. O número ainda é notoriamente pequeno diante do total de ações, porém, para ambientalistas e pesquisadores do Imazon, representa um grande avanço na possibilidade de o Judiciário punir desmatadores ilegais na Amazônia.
Nos julgamentos dos recursos, o estudo identificou que as instâncias superiores foram favoráveis às inovações jurídicas que podem mudar o rumo da impunidade. A mais relevante foi a aceitação da condenação dos réus com base nas provas obtidas remotamente. As decisões de segunda instância e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçam que esse tipo de prova é considerada "idônea e de precisão superior" para aferir a área desmatada.
"Acreditamos que, com esse tipo de aval do Judiciário, haverá menos brechas para disputas judiciais que se prolongam por anos e anos e mais autonomia para punir quem desmata a floresta por meio de provas digitais. Ainda que haja uma maior judicialização desse tipo de crime, o caminho está aberto para que vejamos menos impunidade", relata a pesquisadora do Imazon Hannah Farias.
“A inovação do MPF em usar dados remotos que comprovam o dano ambiental já possui jurisprudência favorável do STJ. A expectativa, agora, é que esse entendimento seja adotado de forma mais célere nas decisões em primeira instância para que mais processos resultem em condenação e na obrigação de pagamento de indenização pelo dano ambiental causado à toda sociedade com o desmatamento da Floresta Amazônica”, complementa Jeferson Almeida, também pesquisador do Imazon.
Outra jurisprudência importante obtida nos recursos foi a aceitação de ações com réu incerto. Prevista no Código de Processo Civil (CPC), a medida permite abrir ações para responsabilização pelo desmatamento ilegal mesmo quando não é possível identificar os responsáveis pela área, além de tornar pública a busca judicial por eles. Nesse caso, solicita-se ao juiz a publicação de um edital para tentar localizá-los.
"O impacto positivo do ajuizamento de ação [...] também se faz sentir em eventual pretensão de regularização posterior da grilagem imobiliária e ecológica. Isso porque a judicialização impede emissão de nota fiscal, guia de trânsito animal, transporte de madeira, financiamento público ou privado, permanecendo o imóvel gravado como polígono de desmatamento ilegal, em ferramenta de consulta pública disponibilizada em cadastro do MPF na Internet e em registros imobiliários", declarou o ministro Herman Benjamin, em voto como relator que embasou a primeira das decisões do STJ a respeito.
Com essas ações, é possível obter o embargo da área e a determinação judicial para apreender, retirar e destruir maquinários usados para o desmatamento ou que estejam impedindo a regeneração da floresta.
“Embora todas ações contra réus incertos tenham resultado em sentenças de primeira instância que extinguiram os processos, a tendência é que isso seja revertido nos julgamentos dos recursos agora que há jurisprudência favorável do STJ. O ideal é que o Judiciário determine o bloqueio dessas áreas que estão sendo desmatadas sem um CPF identificando o desmatador, para que qualquer tentativa de utilizá-la economicamente no futuro seja acompanhada da obrigação de reparar o dano ambiental. A obrigação de reparar o dano fica vinculada à terra, conforme entendimento do STJ”, explica Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.
Durante o período analisado, de 2017 a 2020, apenas duas das 51 ações que resultaram em condenação com indenizações foram efetivamente pagas, que somaram R$ 42 mil. Outras condenações ainda aguardam a fase de cumprimento de sentença ou julgamento de recursos.
Os autores do estudo, o primeiro de um projeto do Imazon que visa avaliar o desempenho do Judiciário na punição a desmatamentos na Amazônia a partir da análise do programa Amazônia Protege, recomendam a realização de treinamentos sobre responsabilização ambiental e jurisprudências mais recentes sobre o tema, como a validade do uso de provas obtidas de forma remota.
Fonte: Um só Planeta
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