Cultivar carbono ou produzir bioenergia: as novas oportunidades de negócio que a PAC oferece
terça-feira, fevereiro 01, 2022
Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa mediante a sua captura e fixação no solo e produzir energias limpas são algumas das práticas para as quais terão incentivos as explorações agropecuárias nos próximos anos
A agricultura europeia sofrerá uma transformação verde nos próximos anos, fortalecida pelos fundos da nova PAC 2023-2027, com a qual se pretende tornar a atividade rural mais rentável. “Fazer da sustentabilidade uma marca europeia abrirá novas oportunidades de negócio e diversificará as fontes económicas dos agricultores”, argumenta a Comissão Europeia.
Perante esta premissa, o planeamento de Bruxelas prevê que as novas exigências em matéria de meio ambiente para a produção de alimentos na UE sejam benéficas, não só para a sociedade no seu conjunto como também para as próprias explorações, tornando-as mais rentáveis e abrindo-lhes novas vias de receita.
Existe um grande potencial de desenvolvimento vinculado à valorização dos resíduos agrícolas, pecuários e florestais, o fomento da bioeconomia e o uso de energias renováveis
As mudanças no modelo de produção levarão também a mudanças nos hábitos de consumo, com alimentos que viajem menos quilómetros até ao destinatário, e, portanto, também sejam consumidos mais frescos, necessitando de menos conservação e embalagens plásticas.
Esta nova estratégia da UE, que se implementará a partir de 2023, tem como objetivo recompensar aos agricultores e outros operadores da cadeia alimentar, que já superaram a transição para práticas sustentáveis, e facilitar a transição aos demais, assim como criar oportunidades económicas adicionais no setor primário.
Diversificar a estrutura económica dos sistemas agroalimentar e florestal
O objetivo específico 8 do Regulamento Europeu para os Planos Estratégicos da PAC procura promover o emprego, o crescimento, a inclusão social e o desenvolvimento local nas zonas rurais, incluindo a bioeconomia e a silvicultura sustentável.
Pretende-se aproveitar o potencial existente para o desenvolvimento de modelos de negócio relacionados com a bioeconomia circular que permitam gerar emprego e riqueza no meio rural, assim como facilitar o aumento de investimentos em bioeconomia para gerar negócio.
A transição verde abrirá novas oportunidades às explorações e permitir-lhes-á diversificar as suas fontes de receita
Neste palco, abre-se espaço a novas atividades complementares à produção agrícola, como são a captura de carbono que vai mitigar os efeitos do aquecimento global ou a geração de bioenergia para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e a emissão de gases de efeito de estufa.
“Um exemplo de novo modelo de negócio ecológico é a captura de carbono por agricultores e silvicultores. As práticas agrícolas que eliminam o CO2 da atmosfera contribuem para o objetivo de neutralidade climática e devem ser recompensadas, seja mediante a Política Agrícola Comum ou com outras iniciativas públicas ou privadas (mercado do carbono)”, propõe a Comissão.
Bruxelas propõe estender o mercado do carbono à agricultura para fazer da captura de carbono um novo modelo de negócio agrícola
“Dispor de regras de certificação sólidas sobre o sequestro de carbono na agricultura e na silvicultura são o primeiro passo para permitir pagar aos agricultores e silvicultores por essas práticas. Alem disso, as empresas privadas também poderiam estar interessadas em comprar estes certificados para apoiar a ação climática, proporcionando assim um incentivo adicional (além dos pagamentos da PAC) aos agricultores e silvicultores pelo sequestro de carbono”, argumenta o Executivo comunitário.
A PAC pós 2020 oferece aos Estados membros a possibilidade de oferecer incentivos diretos aos agricultores para uma agricultura e uma gestão do solo respeitadoras do clima e recompensá-los por uma ação concreta, que se denomina cultivo de carbono através da iniciativa Farm Carbon Forest. A dita iniciativa recompensaria os agricultores pelo bem público que proporcionam ao reduzir, poupar, armazenar ou sequestrar unidades adicionais de carbono.
Juntamente com a gestão dos prados permanentes, promovendo a biodiversidade pratense, e com as técnicas de maneio do gado que permitam recuperar a fertilidade natural do solo, a PAC pretende também promover técnicas de conservação e gestão sustentável do solo nas terras de cultivo, com o apoio às atividades agrárias que favoreçam a conservação do solo e o incremento de matéria orgânica.
Fomento da pecuária extensiva
A Comissão Europeia foca em grande medida na pecuária a sua cruzada contra as emissões de gases da atividade agrícola, pois afirma que 70% dos gases de efeito de estufa da agricultura procedem do setor pecuário e que 68% das terras agrícolas na UE estão destinadas à produção animal.
Bruxelas insiste no valor dos pastos permanentes como reservatório de biodiversidade e ideal para a captura de carbono, pelo que fomentará este tipo de prados na nova PAC 2021-2027 através dos ecoesquemas.
Segundo os dados do Eurostat, o predomínio dos pastos em termos de conteúdo de carbono orgânico em comparação com os outros usos da terra observa-se em quase todos os Estados membros. O conteúdo total de carbono orgânico nas terras agrárias portuguesas seria de 125 megatoneladas, das que 70 procederiam de prados, 31 de culturas permanentes e 24 de terras de cultivo.
Potenciar os serviços ecossistêmicos
A nova estratégia agrícola de apoio à pecuária extensiva pretende fomentar também o aproveitamento pecuário das florestas como ferramenta de conservação de pastos e prevenção de incêndios.
Através desta conservação e gestão de terrenos florestais, incluindo o aproveitamento pecuário, pretende-se melhorar sua a gestão para evitar a acumulação de matéria combustível e favorecer assim a sua ótima função como sumidouros de CO2.
PAC procura melhorar a gestão e aproveitamento dos pastos permanentes e outros sistemas agrosilvopastoris e proteger o solo agrícola de maior capacidade produtiva diante doutros usos
Melhorar a interrelação com o meio ambiente e converter aos agricultores e produtores pecuários em produtores de alimentos, em cuidadores do território, fomentando a biodiversidade através da atividade agrária, com práticas favorecedoras da paisagem, flora e fauna é o intuito das autoridades comunitárias.
Para isso, além de um maior cuidado e proteção das zonas de maior valor ambiental, delimitadas dentro da Rede Natura 2000, é preciso um planeamento territorial adequado que proteja o solo agrícola, sobretudo aquele de maior valor produtivo. Na União Europeia, mais de 1.000 km² de solo são ocupados cada ano para casas, indústrias, estradas ou fins recreativos.
Promover a economia circular
A Comissão Europeia sustenta que “a economia circular de base biológica tem um grande potencial que não está a ser explorado pelos agricultores”, como por exemplo, o uso eficiente de estercos como fertilizantes orgânicos ou as refinarias biológicas avançadas que produzem biofertilizantes ou biogás a partir de resíduos.
Nesta linha, foi aberto recentemente o Aviso, no âmbito do Next Generation, com uma dotação de 20 milhões de euros, para Investimentos para Valorização Agrícola, Armazenamento e Tratamento de Efluentes Pecuários e o Governo incluiu no Plano Estratégico da PAC 2023-2027 um Eco-regime de Gestão do solo e Promoção da Fertilização Orgânica com uma dotação previsional de 29 milhões de euros.
Existe uma grande disponibilidade de recursos florestais e agrários para valorização e uso como energia alternativa aos combustíveis fósseis
Portugal está a cumprir metas de redução de emissão de gases com efeito de estufa em linha com os Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC). Segundo os dados mais recentes da Agência Portuguesa do Ambiente as emissões de gases com efeito de estufa totalizaram em 2019 cerca de 63,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), ou seja, menos 5,6% do que no ano anterior e menos 25,8% face a 2005. O aumento das emissões associadas à agricultura (1% em 2019 face a 2018) é explicado maioritariamente pelo aumento da população de bovinos de engorda, de ovinos e de aves.
Aumentar as energias renováveis
Aumentar a autossuficiência energética através das energias renováveis, incluindo a valorização de resíduos e materiais de origem agrícola, pecuário e florestal é um dos objetivos da nova Política Agrícola Comum.
Apesar dos avanços nos últimos anos, existe ainda uma elevada dependência energética dos combustíveis fósseis, escassa implantação das energias renováveis no setor primário e escasso aproveitamento dos recursos agrícolas e pecuários e dos resíduos das indústrias agroalimentares como energias renováveis. Contudo, há uma grande disponibilidade de recursos florestais e agrários para a sua valorização e uso como energia alternativa aos combustíveis fósseis.
A UE pretende incentivar a economia circular e reduzir a dependência do exterior em matéria energética
Os telhados das quintas e armazéns normalmente também são perfeitos para colocar painéis de energia solar e os produtores pecuários devem aproveitar as oportunidades para reduzir as emissões de metano do gado desenvolvendo ao mesmo tempo a tecnologia necessária para a produção de energia renovável. “E estes investimentos devem ser priorizados nos Planos Estratégicos da futura PAC”, avança Bruxelas.
Do mesmo modo, pretende-se diminuir o consumo de energia, promover a poupança e a melhoria da eficiência energética, já que existem numerosas instalações e edificações agroalimentares não otimizadas para o poupo energético. Por isso, a Comissão Europeia considera necessário conhecer o consumo de energia nas explorações, assim como as diferentes ferramentas disponíveis para alcançar a sua poupança e melhorar a eficiência energética.
Substituição de plásticos e combustíveis fósseis por novos materiais
Os plásticos empregues na atividade agrária (sem contar as embalagens) representam aproximadamente 6% do consumo de plástico. O abandono dos plásticos e a sua descomposição em microplásticos está a converter-se numa grande ameaça para a biodiversidade.
Por isso, evitar o abandono de plásticos através da redução do seu uso, a boa gestão dos seus resíduos ou a substituição por outros produtos são algumas das medidas que figuram reconhecidas dentro da condicionalidade reforçada da PAC para o período 2023-2027, que todos os beneficiários deverão cumprir para poderem receber as ajudas.
Prevê-se que o consumo de plástico se duplique nos próximos 20 anos
Do mesmo modo, a embalagem de alimentos desempenha um papel chave na sustentabilidade dos sistemas alimentares. Prevê-se que o consumo de plástico duplique nos próximos 20 anos, representando em 2050 20% do consumo de petróleo e 15% das emissões de gases com efeito de estufa. O Plano de Ação da UE para uma Economia Circular apresenta novas iniciativas ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos, dado que na atualidade a indústria europeia só utiliza 12% de materiais reciclados.
Além disso, a renovação de maquinaria agrícola e florestal favorecerá o emprego de maquinaria menos poluente e redução das emissões de material particulado PM2.5 (partículas em suspensão de menos de 2,5 micras procedentes da combustão de veículos diesel), estabelecido como indicador de contaminação pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“O Pacto Ecológico Europeu é um referencial para a aplicação da PAC em Portugal. Os regimes ecológicos representam 25% dos pagamentos diretos e as medidas que contribuem para o ambiente e para o clima representam mais de 40% do pilar de Desenvolvimento Rural, refletindo a ambição nacional neste domínio”, destaca o Governo.
Apresentado pela Comissão o 11 de dezembro de 2019, o Pacto Ecológico Europeu estabelece um ambicioso caminho para uma economia circular, climaticamente neutra. Inclui ações em diferentes âmbitos, tais como a indústria, o transporte, a produção e eficiência energética ou a agricultura e a pecuária.
Na atualidade, 10,5% dos gases com efeito de estufa que se produzem no conjunto da UE procedem da agricultura e da pecuária, enquanto a produção e o uso de energia no resto de setores representa mais de 75% das emissões causantes do aquecimento global na UE, onde 40% do consumo energético corresponde aos edifícios e onde o transporte representa 25% das emissões totais.
Digitalização das zonas rurais
Além da produção de energias verdes, a digitalização das explorações e a implantação das novas tecnologias para a melhora da eficiência na produção apresentam-se também como oportunidades nos próximos anos.
Dentro do Plano de Ação da Estratégia Do Prado ao Prato inclui-se o objetivo de que todas as zonas rurais tenham acesso a internet de banda larga em 2025, com a finalidade de permitir a inovação digital e a transformação ecológica das explorações. “Os serviços de assessoria agrícola da PAC e a rede de dados de sustentabilidade da exploração serão fundamentais para ajudar aos agricultores na transição”, assegura o Executivo comunitário.
Mas para isso, admite, “todos os agricultores e todas as áreas rurais necessitam estar conectados a internet rápida e fiável, que é um facilitador chave para empregos, negócios e investimentos em áreas rurais, assim como para melhorar a qualidade de vida nestas zonas”.
“Permitirá também incorporar a agricultura de precisão e o uso de inteligência artificial, o que, em última instância, reduzirá os custos para os agricultores, melhorará o maneio do solo e a qualidade da água, reduzindo o uso de fertilizantes, pesticidas e emissões”, afirma a Comissão Europeia.
Novo modelo alimentário de proximidade
Desde a produção dos alimentos até que estes chegam à mesa, passam por uma série de canais que foram evoluindo. Esta evolução dá lugar a novas oportunidades relacionadas com o interesse crescente dos consumidores por cadeias mais curtas e por alimentos locais. É notável a tendência nos últimos anos em toda a Europa ao crescimento da venda direta.
Os canais curtos de comercialização são uma ferramenta muito válida para alcançar um maior equilíbrio na cadeia de valor da produção agroalimentar já que permitem que os pequenos produtores de alimentos possam ver retribuídos de forma mais equilibrada os seus produtos. Além disso, durante a atual pandemia intensificaram-se os apelos em favor das cadeias mais curtas, como fixou a própria Comissão Europeia na sua Estratégia Do Prado ao Prato.
As mudanças no modelo de produção levarão também a mudanças nos hábitos de consumo
Agora, através da nova PAC, Bruxelas quer fomentar estas cadeias curtas de comercialização por parte dos produtores e o desenvolvimento de canais de vendas alternativas às cadeias de grande distribuição.
A mudança de hábitos de consumo e a venda direta podem favorecer o alcance de outros objetivos, nomeadamente a redução do desperdício alimentar.
O aparecimento de novas tecnologias, como o blockchain para, por exemplo, melhorar a rastreabilidade dos produtos, e o uso da digitalização, podem permitir o seu uso por parte do setor produtivo para melhorar os destinos e a comercialização dos produtos. Existe ainda o mercado virtual que o setor produtivo pode incrementar e que até à data ainda não foi suficientemente utilizado.
Fonte: Voz do Campo
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