Estudo sugere que aquecimento global pode superar os 7 graus Celsius
quinta-feira, novembro 17, 2016
Em visões ‘apocalípticas’ para futuro da Terra, uma pesquisa indica maior sensibilidade do planeta à alta nas concentrações de CO2 na atmosfera, enquanto outra aponta que impactos na vida no planeta já seriam generalizados
Segundo os responsáveis pelo primeiro dos estudos, relatado na revista “Science Advances”, a possível alta calculada na temperatura, muito mais radical do que a que está sendo prevista mesmo no pior dos cenários traçados no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014, seria derivada de uma sensibilidade maior que a estimada do clima ao aumento na concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, em especial nos chamados períodos interglaciais, como o que o planeta atravessa agora. Isto porque embora se saiba que o CO2 provoque um desequilíbrio no balanço energético da Terra, fazendo que ela retenha mais calor e, consequentemente, elevando a temperatura na sua superfície, a influência desta variável nesse processo ainda é objeto de muitas incertezas, a despeito dos grandes avanços na construção de modelos matemático-computacionais do sistema climático terrestre nas últimas décadas.
Diante disso, os cientistas decidiram tentar chegar a este número analisando diversas reconstruções dos históricos de temperatura e concentração de CO2 na atmosfera ao longo de 784 mil anos. Para tanto, primeiro eles montaram curvas da temperatura média da Terra a partir de dados obtidos na análise de sedimentos marinhos, amostras de gelo e simulações computacionais cobrindo os oito últimos ciclos glaciais do planeta. Já para calcular o balanço energético da Terra no mesmo período, eles estimaram as concentrações de CO2 na atmosfera com base em bolhas de ar encontradas nas mesmas amostras de gelo, além incorporar fatores astronômicos, como os chamados Ciclos de Milankovitch, oscilações periódicas na órbita terrestre.
- Nossos resultados sugerem que a sensibilidade da Terra a variações no CO2 atmosférico aumenta com o aquecimento do clima – diz Friedrich. - Atualmente, nosso planeta está numa fase quente, um período interglacial, e esta maior sensibilidade climática precisa ser levada em conta em futuras projeções do aquecimento induzido pela ação humana.
Usando este novo valor para a sensibilidade do clima à alta na concentração de CO2 na atmosfera, os cientistas calcularam então qual seria o aquecimento do planeta nos próximos 85 anos caso a Humanidade continue a aumentar suas emissões de gases do efeito estufa, como vem fazendo nas últimas décadas. Neste cenário, a alta na temperatura média global poderia variar de 4,78 a 7,36 graus Celsius em 2100 na comparação com os níveis pré-industriais, sendo que a primeira, e menor, previsão estaria em linha com a pior feita pelo relatório do IPCC em 2014. Assim, os pesquisadores alertam que mesmo com o Acordo de Paris, pelo qual 193 nações se comprometeram no ano passado em cortar, ou ao menos limitar o crescimento, das emissões de gases-estufa a partir de 2020, a alta na temperatura pode ultrapassar facilmente o limite de 2 graus Celsius, empurrando a Terra em direção de condições climáticas extremas não vistas nos últimos quase 800 mil anos.
- A única saída é reduzir as emissões de gases do efeito estufa o mais breve possível – conclui Friedrich.
No segundo estudo “apocalíptico” da semana, por sua vez, os cientistas primeiro identificaram 94 processos biológicos e ecológicos chaves para a vida no planeta – 32 em ambientes terrestres e 31 cada em ambientes marinhos e de água doce -, cobrindo desde o nível de organismos individuais, como sua constituição genética e tamanho, até as interações em ecossistemas completos, como predação, competição, composição das comunidades e incidência de doenças. Daí, eles partiram para um levantamento da literatura científica no qual procuraram estudos que apontassem alterações nestes processos provocados pelo aquecimento global e mudanças climáticas.
Nesta busca, os pesquisadores encontram relatos de impactos do aquecimento do planeta e das mudanças climáticas acerca de 77 destes processos, ou 82% do total. Segundo os cientistas, só nos últimos anos estudos apontaram desde atrasos ou adiantamentos na época de florescimento de plantas até redução do tamanho de alguns animais, além de desequilíbrios populacionais como a proporção entre machos e fêmeas, e ecológicos, como na sua distribuição espacial, sem contar alterações comportamentais, inclusive períodos e rotas migratórias.
- Temos agora claras evidências de que, mesmo com apenas cerca de 1 grau Celsius de aquecimento global, grandes impactos já se fazem sentir – diz o líder do estudo, Brett Scheffers. - Genes estão mudando, a fisiologia das espécies e suas características físicas como tamanho do corpo estão mudando, espécies estão migrando rapidamente em busca de espaços climáticos adequados, e agora há também sinais de ecossistemas inteiros sob estresse.
De acordo com os cientistas, estas alterações são ainda mais preocupantes diante da dependência de populações humanas espalhadas pelo planeta dos chamados serviços ecossistêmicos fornecidos por estes processos, o que inclui, por exemplo, seu acesso a alimentos e água potável.
- Algumas pessoas não esperavam mudanças deste nível ao longo das próximas décadas – lembra James Watson, professor da Universidade de Queensland, na Austrália, e um dos coautores do estudo. - Os impactos das mudanças climáticas estão sendo sentidos por todos os lados, com nenhum ecossistema da Terra sendo poupado. Já não é mais sensato considerar as mudanças climáticas um problema só do futuro. As metas de emissões precisam ser ativamente alcançadas e o tempo está acabando para uma resposta global sincronizada às mudanças climáticas de forma a salvaguardar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
Fonte: Cesar Baima - O Globo
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