Comércio de carbono ganha fôlego e pode chegar ao Brasil em 2020mer
quarta-feira, novembro 16, 2016
Usinas termoelétricas liberam gás carbônico - Dimitar Dilkoff / AFP |
COP-22 planeja 'transferências internacionais de unidades de redução de emissões'
Após sete dias de eventos e debates, a 22ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-22) inicia hoje a sua semana mais decisiva: a partir de amanhã, 60 chefes de Estado vão se reunir em Marrakech, no Marrocos, na primeira reunião das partes do Acordo do Paris, aprovado no ano passado. E o mercado de carbono, mecanismo estruturado em 1997 com o Protocolo de Kioto, ganha agora um novo fôlego com as discussões sobre o artigo 6 do acordo, que prevê as “transferências internacionais de unidades de redução de emissões”. A partir de agora a COP-22 começa a delinear, na prática, o acordo, e o planejamento de um sistema internacional de comércio de emissões de carbono vem sendo apontado como um dos temas “quentes” para as discussões entre as partes.
O Brasil, que será representado nas reuniões das partes pelo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, foi um dos protagonistas na negociação da redação do artigo 6 e pretende concluir em 2017 um estudo do Ministério da Fazenda, que tem apoio do Banco Mundial através da Partnertship for Market Readiness (PMR), sobre qual seria o melhor modelo para a precificação do carbono no país. Em linhas gerais, há a opção por uma espécie de mercado de ações — onde são negociados títulos de direitos de emissão de gases poluentes — ou uma taxação, onde determina-se um preço a ser pago por emissão.
Segundo dados do Banco Mundial, há hoje no mundo 64 mercados de carbono, em nível nacional ou subnacional. Juntos, eles correspondem a 13% das emissões globais de gases de efeito estufa, mas o banco, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) estão pleiteando que esta porcentagem suba para 25% até 2020. O maior mercado de carbono — que apesar do nome convencional envolve o controle também de outros gases — é o da União Europeia, que, a despeito de ser uma referência, expõe justamente a derrocada do sistema de comércio nos anos pós-Kioto: apelidada de “pior commodity do mundo”, a tonelada de carbono no sistema europeu ficou com preços abaixo de € 4 neste ano. Na conta, entram a recessão econômica e um excesso de títulos no mercado.
Mesmo assim, grandes players estão criando mecanismos de precificação das emissões: a China planeja colocar um mercado de carbono nacional para funcionar em 2017 e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, quer que até 2018 um sistema seja definido no país.
Em jogo na COP-22, estão questões como formas de estruturação, métrica e avaliação de resultados de um eventual mercado de carbono global — mas a definição de um preço único para as emissões ainda parece estar a anos, ou COPs, de distância. Segundo o secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Everton Lucero, a posição do Brasil será por um amplo apoio a um mecanismo internacional de comércio entre países e empresas — mas com regras rígidas de funcionamento.
— O artigo 6 é um dos que mais precisa de uma regulação no Acordo de Paris, e o que defendemos é que não haja o reconhecimento de qualquer mercado fora da convenção. É preciso ter regras estritas, com monitoramento rigoroso das emissões, para que tenhamos reduções ambiciosas nas emissões — aponta Lucero, destacando que a inclusão no mercado dos chamados créditos Redd+, voltados para projetos de contenção do desmatamento, como pleiteiam algumas organizações e países, é “incompatível” com um mercado de carbono.
EMPRESÁRIOS SE PREPARAM NO BRASIL
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) vai lançar na quarta-feira, em Marrakech, um guia para empresários sobre o tema, com o título “Precificação do carbono: o que o setor empresarial precisa saber para se posicionar”. O CEBDS integra o conselho da PMR no Ministério da Fazenda e calcula que um sistema de precificação de emissões de carbono — via mercado, taxa ou uma fórmula híbrida — poderá começar a funcionar no Brasil entre 2020 e 2025.
— Empresas como a Natura, a Braskem e a Latam já estão calculando como seriam suas operações com uma precificação do carbono no Brasil. O modelo a ser implantado deve levar em conta as peculiaridades do país no uso da terra, com a agropecuária, uma matriz energética baseada nas hidrelétricas e um transporte muito fundado em rodovias — aponta Lilia Caiado, coordenadora da Câmara Temática de Energia e Mudança de Clima do CEBDS.
Segundo Luan Santos, pesquisador do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), os estudos para implantar um sistema de precificação de carbono no Brasil ainda estão em andamento, mas é possível observar algumas tendências:
— Alguns empresários demonstraram resistência ao modelo de taxação por emissões, pela alta carga tributária no país. Mas os modelos possíveis vão muito além da decisão pela taxa ou por mercado: há aqueles que regulam só a indústria, ou só um segmento, outros voltados para gases específicos, e ainda aqueles que funcionam a nível regional — destaca Santos, que está fazendo doutorado sobre a proposta de precificação de carbono no Brasil.
Apesar de estar sendo levantado como uma das principais formas de cumprir as metas do Acordo de Paris — que estipula, até o fim do século, um aquecimento global em menos de 2 graus Celsius acima de níveis pré-industriais —, há um grupo de pesquisadores e ativistas que veem no mercado de carbono o que Camila Moreno, coautora do livro “A Métrica do Carbono: Abstrações Globais e Epistemicídio Ecológico”, lançado pela Fundação Heinrich Böll, chama de “falsa solução para o clima”.
— O mercado do carbono é no fundo uma aposta no capital financeiro, que já domina a economia mundial. Se trata de “financializar” a atmosfera. O reducionismo embutido na métrica do carbono é incapaz de enfrentar a crise ecológica, que é complexa e multifacetada — critica a pesquisadora.
Apesar das críticas, um mercado de carbono global se apresenta como uma solução amplamente vislumbrada pelos países, observa Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima.
— Mesmo que ainda seja necessário definir as bases deste novo mecanismo, processo que começa na COP-22 e se estende pelos próximos anos, devemos ver, sim, uma nova dinâmica no pós-2020. Todos os países terão que limitar ou cortar suas emissões de gases de efeito estufa. E hoje, mais de 40 países já têm ou estão estabelecendo mecanismos de precificação de carbono — pontua Rittl.
O QUE É O MERCADO DE CARBONO
Quem compra e quem vende?
A depender da configuração do sistema, governos e empresas podem trocar direitos de emissões de gases de efeito estufa — na sua forma mais simples, os “créditos de carbono"; mas não há, ainda, um mercado global, o que pode começar a ser definido na COP-22
Quem define os preços?
Cada jurisprudência determina as metas de emissão de acordo com o que é referendado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), e o preço flutua de acordo com a oferta e demanda dos títulos
Qual é a ‘mercadoria’ trocada?
São definidos limites, normalmente em toneladas, para a emissão de gases do efeito estufa
O Brasil participa?
O país não tem um mercado de carbono, mas um estudo do Ministério da Fazenda em parceria com o Banco Mundial deverá propor algum sistema de precificação até 2017
Que lugares no mundo têm um mercado?
Há desde estados, como a Califórnia, nos Estados Unidos, e British Columbia, no Canadá, a blocos econômicos, como na União Europeia; a China anunciou um mercado para 2017 que deverá se tornar o maior do mundo
Fonte: O Globo
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