O desafio do clima: Acordo de Paris entra em vigor em novembro
terça-feira, outubro 25, 2016
A missão fundamental que deveria ser descarbonizar a economia mundial ficou reduzida a uma vaga referência.
O Acordo de Paris, aprovado por delegações de 193 países, em dezembro de 2015 – cujas ratificações começaram a ser realizadas em abril deste ano, desde os encontros na sede central da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York –, devem entrar em vigor neste mês de novembro – nos próximos dias, portanto.
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De acordo com a Secretaria do Convênio s Mudanças do Clima (UNFCCC, em sua sigla em inglês), o Acordo de Paris já foi ratificado por 74 países – segundo a mais recente atualização, em 5 de outubro de 2016 –, que juntos representam 59% do total de emissões globais de gases do efeito estufa. Segundo o estipulado no artigo 21, o Acordo de Paris deve se tornar efetivo 30 dias depois de confirmadas ao menos 55 ratificações de Estados-membros da convenção que aprovou o acordo, em dezembro, desde que eles envolvessem ao menos 55% das emissões totais de gases. Assim, o secretário geral da ONU, o sul-coreano Ban Ki-moon, anunciou a data oficial de ativação do acordo: 4 de novembro de 2016.
Entre os países que ratificaram o acordo, se encontram os principais emissores de gases: os Estados Unidos, os países que compõem a União Europeia, a China e a Índia. Na América Latina, o documento já foi ratificado por Argentina, Brasil, México, Bolívia, Peru, Cuba, Panamá, Belize, Guiana e Honduras.
Em setembro, durante seu último discurso como presidente na Assembleia Geral da ONU, Barack Obama disse que “se não atuamos com determinação para frear o aquecimento global, enfrentaremos sérios problemas, cidades que ficarão submersas, êxodos massivos, nações desabitadas, destruição de fontes de alimentos e conflitos provocados pela desesperança. Devemos saber superar a pobreza sem condenar nossos filhos a um planeta que não respeita a capacidade de regeneração dos seus recursos”.
O objetivo do Acordo de Paris é evitar que a temperatura média da superfície do planeta aumente mais de 2°C até o fim de deste século, num parâmetro de comparação com a temperatura média no fim da era pré-industrial. Isto significa, entre outros fatores, evitar que a concentração de gás carbônico na atmosfera supere as 450 partículas por milhão (ppm). Entretanto, o acordo não define nem a estratégia nem o caminho com o qual se deve buscar e alcançar tais objetivos.
Estudos realizados no final de 2015 mostravam que o aumento na temperatura superficial do planeta era de 1°C e a concentração de CO2 se encontrava em 400 ppm. As tendências atuais conduzem a um na temperatura superficial numa média entre 3,7°C e 4,8°C até o final deste século, numa comparação com a era pré-industrial. Estas tendências representam uma emergência sem precedentes na história da humanidade. Um aumento de 4°C não é registrada desde meados do período Mioceno, há 10 milhões de anos. Logo, as tendências atuais nos levariam o mundo a transformações que tornariam o planeta um ambiente hostil e desconhecido para a espécie humana, e esse seria o legado que deixaríamos aos nossos descendentes.
O Acordo de Paris é um apanhador de contribuições voluntárias, determinadas por cada país segundo a sua própria iniciativa, sem coordenação entre as partes, sem caráter vinculante, sem condições ou penalizações em caso de os compromissos não serem cumpridos. E mesmo se todas estas expressões voluntárias de colaboração fossem realizadas tal qual o estabelecido no acordo – o que parece ser pouco provável que aconteça –, a humanidade se veria a caminho de um aumento médio da temperatura entre 3°C e 3,5°C.
As limitações do Acordo de Paris ficaram evidentes no 17º ponto do documento de conclusão da conferência COP21: “a Conferência das Partes observa com preocupação que os níveis estimados das emissões de gases do efeito estufa, entre 2025 e 2030, já como resultado das contribuições a nível nacional previstas e determinadas pelo acordo, não são compatíveis com o cenário de 2°C como aumento máximo da média da temperatura, que era o objetivo inicial das negociações”.
A missão fundamental que deveria ser descarbonizar a economia mundial, necessidade que vem sendo bastante debatida nas reuniões preparatórias, ficou reduzida a uma vaga referência: “as partes se comprometem a manter as emissões de carbono abaixo do nível máximo estipulado, e a começar a trabalhar nesse sentido o antes possível”, para logo explicar que a finalidade é “alcançar um equilíbrio entre as emissões antropogênicas por parte das fontes e a absorção antropogênicas por parte dos mecanismos desenvolvidos para atenuar os efeitos até a segunda metade deste século”.
Para se obter o máximo de aumento médio de 2°C, com uma probabilidade de ao menos 66%, é necessário que as emissões acumuladas de todos os gases durante o período entre 1850-2100 se mantenham abaixo das 3.670 gigatoneladas de CO2. O máximo possível de emissões no período entre 2015 e 2100, para se alcançar esse objetivo, é de apenas 855 gigatoneladas de CO2, o que implica deixar ao menos dois terços das reservas de gás e petróleo debaixo da terra.
O objetivo dos 2°C como aumento máximo requer melhoras substantivas dos compromissos assumidos em Paris, particularmente por parte dos países que mais contribuíram com a gestação da ameaça climática que a humanidade enfrenta hoje. Os países industrializados, que reúnem 18% da população mundial, geraram 72% das emissões de CO2 acumuladas entre 1850 e 2014. Entretanto, o Acordo de Paris conseguiu evadir essas desproporcionadas responsabilidades históricas.
Países como a Venezuela devem analisar com calma as delicadas implicações da entrada em efeito do Acordo de Paris, cujo objetivo implícito é a superação de um desenvolvimento econômico dependente do consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis em apenas algumas décadas. Outros países, como o Canadá, criaram impostos específicos às emissões de CO2 – no caso canadense, funcionará a partir de 2018, e cobrará 7,60 dólares por tonelada, com um aumento anual da mesma magnitude, até alcançar os US$ 38 em 2022. Assim, se estabelecerá, a curto prazo, um imposto equivalente a US$ 16 por barril de petróleo.
* Especialista venezuelano graduado pela Universidade de Nova York e com estudos de pós-graduação na Universidade de Berkeley. Diretor do Instituto Florestal Latino-Americano e Professor da Universidade dos Andes. Representante da Venezuela nas negociações internacionais sobre políticas climáticas e meio ambientais.
Tradução: Victor Farinelli
Fonte: Carta Maior
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