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Viçosa ou Curitiba? As verdades sobre o primeiro curso de Engenharia Florestal do Brasil

terça-feira, agosto 30, 2016

Central Florestal buscou esclarecer alguns dos muitos questionamentos sobre a chegada da Engenharia Florestal no Brasil

O primeiro defensor das florestas brasileiras publicamente conhecido foi José Bonifácio de Andrada e Silva, que, por possuir algum conhecimento na área biológica e acentuado interesse por estudos da natureza, foi que no início do século XIX começou a fazer campanhas contra o desmatamento indiscriminado, doravante acentuado após o descobrimento do Brasil em 1500. Porém, foi Dom Pedro II, Imperador do Brasil, quem tomou a primeira atitude florestal concreta, ordenando o completo reflorestamento, com espécies nativas, das serras da Tijuca circundantes à cidade do Rio de Janeiro, cobertas então por cafezais, a fim de proteger os mananciais de água para o abastecimento da cidade. Em 1940, nesta área, foi criado o Parque Nacional da Tijuca, que apresenta atualmente, composição vegetal muito semelhante à florestas primárias.

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Além destes fatos, outros aspectos importantes para a profissão florestal no Brasil, merecem ser citados. A criação do Serviço Florestal de São Paulo em 1898 trouxe inúmeros benefícios ao setor florestal brasileiro, nos quais a Silvicultura deu seus primeiros passos, com a conservação e introdução de espécies exóticas no país. Destacam-se ainda outras entidades que foram sendo fomentadas ao longo dos séculos, tais como o Serviço Florestal do Ministério da Agricultura (1926), o Instituto Nacional do Pinho (1941). Assim como, nas primeiras décadas do século 20, a chegada de Edmundo Navarro de Andrade, Engenheiro Agronomo da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com a introdução do gênero Eucalyptus em Rio Claro, São Paulo, fortaleceu os primeiros estudos e fomento público para estudos florestais.

UFV ou UFPR?

            
Formalmente, o ensino florestal no Brasil, antes de 1960, já era oferecido de forma incipiente nas escolas de Agronomia, que tinham e mantêm até hoje suas disciplinas de Silvicultura. Alguns dos professores destas escolas tiveram atuação destacada no campo florestal, entre eles Heládio do Amaral Melo, de Piracicaba, e Arlindo de Paula Gonçalves, de Viçosa, que foram baluartes para o desenvolvimento e consolidação da Engenharia Florestal no Brasil.

Sabe-se que o ensino florestal de nível superior começou na Alemanha, na Academia Florestal de Tharandt, criado em 1911. Do qual decorreu-se a criação de outros cursos pelos países da Europa.
Já no Brasil, há ainda entre o meio acadêmico muitas controvérsias sobre onde de fato iniciou-se o primeiro curso de nível superior de Engenharia Florestal. O Brasil foi o sexto país da América Latina a criar a carreira florestal profissionalizada.

Foi durante o I Congresso Florestal Brasileiro realizado em Curitiba, entre 13 e 19 de setembro de 1953, onde discutiram-se as deficiências da área de Silvicultura no ensino superior no brasil, sobretudo da escassez de profissionais especialistas na área florestal. Onde demonstrou-se ali a necessidade da criação da Escola Nacional de Florestas, culminando com a apresentação e aprovação pelo plenário desse evento, da proposição de nº 45 que decretava a lei para criação da Escola Nacional de Florestas.

Após um grande movimento político, acadêmico e técnico, foi que o assunto chegou de fato a sensibilização da opinião pública nacional, o que despertou finalmente o interesse do próprio escalão superior da administração pública. O então Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira, atento aos anseios da sociedade e também sensível ao problema, em carta enviada ao Ministério da Agricultura recomendada que se criasse um grupo de trabalho para apresentar ao governo um plano de ação que permitisse equacionar o problema florestal no Brasil. Foi aí que o Ministro da Agricultura, Mário Meneghetti, atendendo imediatamente a ordem do Presidente Kubitschek, constituiu e nomeou um grupo de trabalho composto por representantes do principais entidade criadas até então sobre assuntos florestais.

Assim, coube ao Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, sob administração do Professor Azambuja, prepara uma exposição de motivos, acompanhada de minuta de decreto, no qual justificava-se a necessidade da criação da escola, a qual foi submetida ao Ministro da Agricultura Mário Meneghetti que, por sua vez, submeteria o assunto à presidência da republica.
Como o Presidente Juscelino viajava constantemente, os despachos com os ministros eram irregulares. No entanto, um fato novo se apresentou-se inesperadamente. Os ministros foram convidados para um almoço, juntamente com o chefe da Nação, em um navio italiano que iniciava sua linha para a America do Sul. Entre outros, compareceram ao almoço, os Ministros Mário Meneghetti da Agricultura e Clóvis Salgado da Educação. Conforme AZAMBUJA (1971), ao se avistarem, estabeleceu-se o seguinte diálogo:

Mário Meneghetti: Clóvis, vou criar uma escola!

Clóvis Salgado: Desejo participar dessa criação..., mas que escola é essa?

- A Escola Nacional de Florestas, respondeu o Ministro Meneghetti. Terei o maior prazer que seu ministério participe desse empreendimento.

Fortuitamente, nesse mesmo momento, chegou o Presidente Juscelino Kubitschek, que logo se dirigiu ao Ministro Meneghtti em tom hilariante, como era de seu temperamento expansivo:

- Ministro, o senhor não despacha mais comigo?

O ministro Mário Meneghetti respondeu no mesmo tom:

-Presidente, há 45 dias tento despachar com Vossa Excelência e não consigo. Há assuntos muito importantes a serem submetidos ao senhor.

O presidente, não se dando por achado, exclamou:

- O que trama meus ministros?
- A criação de uma escola de florestal, responderam ambos.

Sem pestanejar, o Presidente retrucou:

-Só se for em Minas Gerais.

O ministro Clóvis Salgado, também mineiro, fazendo coro com o Presidente, completou:

-... E em Viçosa!

Estava assim decidida a criação e, ao mesmo tempo, a localização da Escola de Florestas.
Juscelino Kubtschek, na época então presidente do Brasil
Vale mencionar que em ocasião alguma se havia pensado em localizar a escola em Minas Gerais e sequer alguém de Viçosa havia feito qualquer reivindicação ou participado desse processo até então. O grupo de trabalho montado pelo ministro, tinha planejado a criação da Escola Nacional de Florestas – ENF junto a Escola Nacional de Agronomia – ENA da Universidade Rural do Brasil, em São Paulo. E teria sido a ENA quem já havia reivindicado a Escola Nacional de Florestas desde que a ideia surgiu. A decisão do Presidente frustou a iniciativa dos propositores. Sobretudo, segundo TEREZO (2014), foi na Amazônia onde há mais de 60 anos iniciavam-se os primeiros sacrifícios em pesquisas florestais, o que também indicaria ser a região amazônica um potencial local para início da primeira escola de florestas do país.

A decisão unilateral do Presidente Kubitschek em criar a Escola Nacional de Florestas em Viçosa, dentro de uma instituição estadual, a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), não só invalidava a exposição de motivos e minuta do decreto anteriormente enviada ao Ministro da Agricultura, como trazia muitas dificuldades, sob o ponto de vista administrativo. Tornava-se necessário firmar convênio entre o Ministério da Agricultura, da Educação e Universidade Rural do Estado de Minas Gerais – UREMG, para que pudesse viabilizar formalmente a criação da Escola Nacional de Florestas dentro de uma instituição estadual (UREMG).

• Decreto de criação da Escola Nacional de Florestal: Nº 48.247, de 30 de maio de 1960.

Réplica da Escola Nacional de Florestas (ENF) em Viçosa, MG
Assim, todo o trabalho de organização e preparação foi feito com eficiência. A divulgação do novo curso, embora de forma restrita, foi também feita dentro das possibilidade da época. Assim o primeiro Vestibular da ENF realizou-se nos últimos dias de março. Inscreveram-se 56 candidatos, dos quais 27 foram aprovados, porem um desistiu no inicio do curso. A ideia era ter somente 20 vagas na primeira turma: deve-se ressaltar que, dos 26 matriculados, uma era mulher, e se chamava Alcina Morici, a qual se formou em 1964, tornando-se a primeira engenheira florestal do Brasil.

A transferência do curso de Viçosa (MG) para Curitiba (PR): Um fato raro


Em virtudes de problemas políticos, de falta de planejamento adequado para a criação do curso em Viçosa, e por estar em um Universidade estadual, onde os recursos na época já eram limitados, tentou-se mitigar a Escola Nacional de Florestas com a criação do prédio de madeira da foto apresentada anteriormente, dentre outros paliativos para corrigir uma série de problemas.
Universidade Federal de Viçosa, antiga UREMG
Assim, realizou-se a transferência da Escola Nacional de Florestas para a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Muitas tem sido as discussões sobre os verdadeiros motivos dessa transferência, sendo alguns até mesmo polêmicos, porém, não há consenso algum, nem mesmo clareza, sobre o que tanto motivou o ocorrido.

A transferência da ENF para Curitiba, Paraná, não foi bem aceita pela administração e pelos professores da UREMG ligados à Escola. A qual se posicionou sempre contrária a essa transferência, mesmo não tendo condições efetivas de permanecer com o curso.

Logo, após conhecimento do Diretório Acadêmico Bernardo Sayão, em Viçosa, de que a transferência da Escola Nacional de Florestas estava assegurada oficialmente, foi proposta a escolha de três estudantes do curso para virem a Curitiba tratar de assuntos de seu interesse, como hospedagem, local para refeições e localização física da Escola. Além do Presidente do Centro Acadêmico, Nelson Venturin, foram Sylvio Péllico Neto e José Cezário Meneses de Barros nessa comitiva, que foi recebidos pelo Magnífico Reitor Flávio Suplicy de Lacerda, com muito entusiasmo e cordialidade. O qual manifestou positivamente pela chegada da Escola Nacional de Florestas para Universidade Federal do Paraná.

Então onde formaram-se os primeiros engenheiros florestais?
Com a transferência do curso, procedeu-se a mudança de todos os bens móveis da Escola Nacional de Florestas de Viçosa, inclusive dos professores, do Diretor, e dos poucos funcionários da ENF. Os estudantes seguiram em mudança para Curitiba, onde se apresentaram para o primeiro dia de aula na UFPR, em 1º de março de 1964. Ficaram em Viçosa alguns professores das disciplinas básicas, além do prédio provisório de madeira, um viveiro florestal com alguns equipamentos e outros materiais que não seriam prioridade na nova sede.

Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde formou-se a primeira turma de Engenharia Florestal do Brasil
Só que a UREMG, em março de 1964 criou a Escola Superior de Florestas, de modo a oferecer novamente o curso de Engenharia Florestal para os estudantes que quisessem voltar para Viçosa, para assim concluírem lá o curso, mas apenas cinco alunos da primeira turma, um da terceira e dois da quarta turma, decidiram permanecer em Viçosa e assim se graduaram pela Escola Superior de Florestas da UREMG. Os alunos da segunda turma transferiram-se integralmente para Curitiba, juntamente com a Escola. 

Então, em virtude da situação desagradável pela transferência da Escola nacional de Florestas para Curitiba, e da criação carrasca da Escola Superior de Florestas em Viçosa, a primeira turma de engenheiros florestais brasileiro se formou em duas escolas diferes.

Contudo, em termos de datas, foi a UFPR que formou os primeiros engenheiros florestais do Brasil, em 8 de dezembro de 1964 foi realizada a colação de grau de 14 estudantes, sendo eles: Alcina Moricí, Antonio Bartolomeu do Vale, Hércio Ladeira, Herval Junior, Hildebrando Flor, João Campos, Jonas Morelli, José de Moura, Júlio Paizão, Luiz Lobo, Otto Schimidt, Roberto Silva, Roberto Ramalho e Vagner Pinto.
Primeira turma formada em 1964 pela UFPR (Foto: Ladeira, 2002)
Foi o formando Hércio Pereira Ladeira quem fez o juramento da turma, por ter tido o melhor rendimento acadêmico no quinto ano, segundo as normas da Universidade do Paraná, sendo portanto o primeiro engenheiro florestal a colar grau no país.

Hércio Ladeira (1º Eng. Florestal do Brasil)
Já os cinco primeiros engenheiros florestais da Escola Superior de Florestas da UREMG, criada em Viçosa imediatamente a transferência do curso para Curitiba, graduaram-se em 15 de dezembro de 1964 os seguintes: Geral do dos Santos, José Mariano da Rocha, Reinaldo Araújo, Renato Brandi e Sebastião da Silva. O primeiro a se graduar nessa escola, foi o engenheiro florestal Geraldo José dos Santos, quem fez o juramento da turma. 

Por via das dúvidas, em termos de datas, é então a UFPR quem detém de fato a formação dos primeiros engenheiros florestais do Brasil. Contudo quase que ao mesmo tempo, dias após a primeira turma da UREMG, hoje UFV, também formava seus primeiros engenheiros florestais brasileiros.
Então, de modo a sanar a polêmica da instituição detentora do mérito, a universidade pioneira no curso de engenharia florestal e primeira turma formada, entende-se que foram as duas instituições praticamente ao mesmo tempo, e que merecem todos os méritos pelos feitos. Contudo, em meio a tantos questionamentos sobre toda essa história, o que não conseguimos resolver é a confusão indecifrável da instalação, transferência para Curitiba e criação imediata de novo do mesmo curso em Viçosa após a tal transferência.
Ainda há muita história florestal para investigarmos!

Referencias Bibliográficas

Macedo, J.H.P.; Machado, S. A. A Engenharia Florestal da UFPR: história e evolução da primeira do Brasil. Curitiba: UFPR, 2003.

Ladeira, H. P. Quatro Décadas de Engenharia Florestal no Brasil. Editora SIF, Viçosa, 2002.

Terezo, E. F. M. Amazônia: 60 anos de pesquisas florestais. Editora Marques, Belém. 2014.

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