Estratégia que integra produção é adotada por um número cada vez maior de produtores no Rio Grande do Sul
Ruben Kudiess, produtor de Chiapetta, aumentou em 100% a rentabilidade com o gado e o trigoFoto: Mateus Mitsuo Asada / Especial |
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O empresário e produtor de sementes Ruben Kudiess, de Chiapetta, é um exemplo de aumento da produtividade e de receita com a adoção do sistema. Além da agricultura, Kudiess se dedicava à pecuária de corte, mas em uma porção de apenas 15% da área da propriedade de 1,03 mil hectares que toca com um irmão. Com a adoção do trigo de duplo propósito, que possibilita pastejo para o gado no inverno e ainda produz grãos no final do ciclo, impulsiona o resultado financeiro e consegue se proteger de prejuízos em caso de eventos climáticos nada raros que costumam impor perdas à cultura - como geadas tardias ou excesso de chuva no período que antecede à colheita.
— A avaliação é que a rentabilidade subiu mais de 100%. E nos livrou do prejuízo devido ao risco climático, porque quando o gado sai do trigo, já pagou a lavoura e deixou um pequeno lucro — conta Kudiess, que esperava um ganho de até 200 quilos de boi por hectare, mas acabou obtendo quase 350 em uma janela de até 70 dias em que os animais ficam na lavoura.
Sem prejudicar as lavouras de grãos de verão, Kudiess também começa a quebrar um paradigma na região, onde a grande aptidão das terras para a agricultura limita a pecuária de corte. Prepara uma mudança de sistema. Antes, comprava terneiros ou bois magros para engordar. Agora, vai partir para o ciclo completo, com cria, recria e terminação.
Segundo o diretor-executivo da Rede de Fomento ILPF, William Marchió, mais do que turbinar o potencial de ganhos das propriedades, a diversificação mitiga os riscos no caso de uma das culturas ou atividades ter problemas por fatores climáticos ou de mercado. Em grande parte do Brasil, onde as condições agroclimáticas são favoráveis, além de uma segunda safra de grãos já é possível ter o equivalente a uma terceira ligada à pecuária.
— A grosso modo, nas fazendas que fazem a integração, a receita líquida por hectare sobe de duas a três vezes. E não é apenas pelo sistema de produção, mas pelo choque de gestão. Como é uma atividade mais complexa, o produtor passa a ter mais controle e se envolver mais. Tudo isso é muito benéfico — avalia Marchió.
Coordenador do projeto ILPF para o Estado e Santa Catarina, o pesquisador Renato Fontaneli, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo, chama a atenção para o grande potencial de produção tanto de leite quanto de carne no Norte do Rio Grande do Sul. Na região, durante o inverno são cultivados cerca de 6,4 milhões de hectares, mas menos de 20% com grãos, enquanto grande parte da área recebe forrageiras utilizadas para cobertura no sistema de plantio direto, como azevém ou aveia preta, o que seria uma grande oportunidade para engordar novilhos ou alimentar vacas leiteiras.
— Tem produtor que é avesso (a colocar gado nessas áreas) por receio de compactação do solo, mas hoje temos conhecimento dos limites para que isso seja evitado, com o manejo correto das pastagens — observa Fontaneli.
No caso da pecuária de corte, a conta final é simples, mostra o pesquisador. A cada inverno, é possível obter uma renda equivalente a até 30 sacas de soja.
É como se, a cada dois anos, o produtor conseguisse uma safra extra do grão.
O potencial dos ganhos
Na metade Norte do Estado, apenas 20% da área usada no verão para culturas como soja e milho é utilizada no inverno para produção de grãos.
Em regra, a maior parte da área recebe no inverno cobertura vegetal como aveia preta e azevém.
Ambas são consideradas de excelente valor nutritivo para bovinos e suportariam de dois a quatro novilhos ou 1,5 a duas vacas leiteiras por hectare.
Pecuária de corte
Apenas 100 dias de pastejo, entre junho e setembro, poderiam significar um potencial de renda bruta de R$ 1 mil a R$ 2 mil por hectare.
A conta leva em consideração que cada novilho teria, ao dia, um quilo de ganho de peso. Com isso, nos 100 dias seriam 200 a 400 quilos por hectare.
Chega-se ao valor de R$ 1 mil a R$ 2 mil com a multiplicação dos 200 a 400 quilos pelo preço de R$ 5,00 por quilo vivo. Seria equivalente a algo entre 15 e 30 sacas de soja.
Produção de leite
Nos mesmos 100 dias de pastejo, a renda potencial poderia chegar a R$ 3 mil por hectare.
O cálculo considera 1,5 a duas vacas por hectare, com a produção de 14 litros por animal, o que significaria cerca de 20 a 30 litros por dia. Nos 100 dias de pastejo, seriam produzidos de 2 mil a 3 mil litros por hectare.
O valor de R$ 2 mil a 3 mil resulta do volume multiplicado pelo preço do litro pago ao produtor (de cerca de R$ 1,00).
O faturamento seria semelhante à comercialização de 30 a 45 sacas de soja.
Fonte: pesquisador Renato Fontaneli, da Embrapa Trigo
Uma revolução para alimentar o mundo nas próximas décadas
A adoção em larga escala de sistemas que integram lavouras, pecuária e floresta vai contribuir para mitigar um problema ambiental no país e ao mesmo tempo pode ser decisivo para ajudar a alimentar o mundo nas próximas décadas. O diretor-executivo da Rede de Fomento ILPF, William Marchió lembra que estimativas indicam que a população planetária vai pular das 7 bilhões de pessoas hoje para mais de 9 bilhões até 2050. As projeções da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) são de que será necessário produzir 70% mais de alimentos e mais da metade deste acréscimo viria do Brasil, o que força o país a empreender uma revolução de produtividade no agronegócio nos próximos anos.
A adoção de produção integrada também pode ajudar o Brasil a recuperar pastagens degradadas. O país soma hoje 169 milhões de hectares de pastagens e entre 50 e 60 milhões de hectares estariam em más condições - área semelhante a que o país planta hoje com grãos.
— Se isso fosse recuperado, é como se tivéssemos um novo Brasil agrícola em potencial, sem precisar desmatar — observa Marchió.
No Estado, lembra Renato Fontaneli, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo, o casamento de lavoura e criação já existe há décadas na pecuária leiteira. Na Metade Sul, as plantações de arroz também já são de certa forma associadas à produção de gado de corte, mas a expansão da soja na região abre a possibilidade de alavancar os cultivos de inverno e, com isso, acelerar e aumentar a terminação de novilhos.
Produzir de maneira eficiente e com proteção ambiental do solo
Cláudio Roberto da Silva (E) melhorou os resultados em Santa Vitória do PalmarFoto: Paulo Lanzetta / Paulo Lanzetta |
Nas porções da propriedades de 460 hectares onde foi introduzida a experiência, a área da lavoura de arroz foi drenada para a implantação da pastagem e o solo foi recuperado com adubação e calcário. As forrageiras escolhidas foram cornichão, trevo branco e azevém.
— Em uma área modelo supervisionada pela Embrapa conseguimos ganhos de 800 quilos de boi por hectare/ano, quando a média boa da região em campo nativo é 150 quilos. Mas o mais importante é que consigo antecipar a venda. Comercializava machos com 36 meses, e agora com uma idade de 18 a 24 meses — observa Silva.
No primeiro ano da experiência, em 2015, foram formados os primeiros 60 hectares de pastagens de inverno. Agora, mais 75 hectares. O objetivo é alcançar, pelo menos, metade da área da fazenda.
Sombra para produzir mais
No tripé da integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a perna onde entram as árvores ainda é a menos desenvolvida e a que gera mais dúvidas em relação a vantagens. Se a possibilidade de ganhos econômicos diretos ainda traz desconfiança, os benefícios indiretos ajudam a elevar o desempenho na criação de gado, diz o pesquisador de forrageiras e chefe-geral da Embrapa Pecuária Sul, Alexandre Varella, também estudioso do tema.
O plantio de árvores nas propriedades, explica Varella, tem o poder de evitar o estresse térmico para os animais tanto no verão quanto no inverno.
— Com o calor forte, sob o sol, os animais diminuem o pastejo. E no inverno tendem a ficar parados para conservar energia — conta Varella, lembrando que o desconforto térmico pode afetar o potencial reprodutivo.
Há outros benefícios, mas que são de difícil mensuração pelo produtor. Pastagens próximas às árvores, acrescenta o pesquisador, costumam não sofrer danos de geadas. Planta invasora que se transformou em dor de cabeça para os pecuaristas, o capim annoni também enfraquece em áreas sombreadas. Nesses locais seria possível ainda introduzir forrageiras tolerantes à sombra. Além disso, plantar árvores significa ter estoque de madeira nas propriedades para fazer uso em mangueiras, pequenas instalações e produção de mourões.
Árvores contra o efeito estufa
Outro ponto que pode vir a ter peso econômico importante no futuro na atividade silvipastoril é o papel das árvores para neutralizar a emissão de gases de efeito estufa pela pecuária.
— Esse é um apelo de futuro para termos a carne ligada a uma imagem de uma atividade não poluidora. Mas ainda não repercute no bolso do pecuarista — admite Varella, lembrando que o governo do Mato Grosso do Sul deu início a um programa de carne com carbono neutro.
William Marchió, diretor-executivo da Rede de Fomento ILPF, formada por empresas, órgãos de pesquisa e cooperativas criada para acelerar a adoção de sistemas de ILPF, admite que a parte florestal ainda não se desenvolveu como poderia, por razões comerciais ou legais. O preço do metro cúbico do eucalipto, exemplifica, caiu muito nos últimos anos e desincentivou produtores a apostarem na atividade.
— Mesmo assim, são inúmeras as possibilidade de reunir árvores à criação de animais — lembra Varella.
No Estado, onde também houve decepção com a implantação de florestas após o anúncio há cerca de uma década de até três fábricas de celulose - apenas a ampliação de uma acabou confirmada. Uma combinação que aos poucos começa a ser adotada na Metade Sul, por exemplo, é a associação da criação de ovelhas com oliveiras.
Papel das árvores
Estimativa de número de bois que teriam as suas emissões neutralizadas ao longo de 11 anos em um hectare de pastagem com 250 árvores
Ano 12
Ano 219
Ano 340
Ano 460
Ano 577
Ano 692
Ano 7106
Ano 8119
Ano 9131
Ano 10143
Ano 11153
Fonte: Embrapa Floresta
Elos unidos
Na propriedade de João Kurtz Amantino, em Passo Fundo, as árvores ajudam na produção de leiteFoto: Diogo Zanatta / Especial |
— O gado ao sol para de se alimentar e fica com a respiração arfante. A reprodução também está alinhada ao conforto térmico — afirma Amantino.
A proteção oferecida pelas árvores é importante ainda em períodos de pouca chuva. Ao funcionarem como uma barreira ao vento, evitam que o solo perca umidade de forma mais rápida.
A pecuária também ajuda a elevar a produtividade das lavouras de verão, graças à contribuição para a fertilidade do esterco dos animais incorporado ao solo, diz o produtor. Na última safra, a produtividade na área integrada com o gado chegou a 77 sacas por hectare. Além da pecuária de leite, a propriedade tem búfalos para corte.
Fonte: Zero Hora
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