‘Quanto mais demorarmos para lidar com as mudanças climáticas, mais caro vai ficar’
segunda-feira, outubro 19, 2015
Eleita vice-presidente do IPCC até 2020, a pesquisadora brasileira Thelma Krug fala sobre a certeza dos cientistas sobre a influência humana no clima do planeta e os desafios dos governos para frear o aquecimento global.
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Pela primeira vez desde sua fundação, em 1988, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) terá mulheres no comando. Uma delas é a pesquisadora brasileira Thelma Krug, eleita para a vice-presidência do órgão até 2020. A posição também será ocupada pela norte-americana Ko Barrett e pelo malinês Youba Skona. O novo presidente do painel, o sul-coreanoHoesung Lee, assume no lugar de Rajendra Pachauri, que pediu demissão do cargo em fevereiro, após denúncias de assédio sexual.
Eleita por representantes de 195 países-membros, Thelma Krug, especialista em estatística espacial, é pesquisadora sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e preside a Força Tarefa em Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa do IPCC desde 2002.
Em entrevista à DW Brasil, 12-10-2015, ela falou sobre os desafios do combate às mudanças climáticas e o papel do IPCC nas pesquisas que embasam decisões políticas.a.
Eis a entrevista
O IPCC forma toda a base científica para a discussão nas Conferências do Clima. E a COP de Paris, em novembro, é especialmente importante, porque dela deve sair um acordo global para limitar as emissões de gases do efeito estufa. O que a senhora espera dessa conferência?
A mensagem no último relatório é muito forte, e eu espero que os países não esqueçam disso durante as negociações em Paris. Eu vejo três mensagens principais. Uma delas é sobre a certeza da influência humana: nós estamos influenciando o sistema climático e de uma forma crescente.
A segunda mensagem diz que se as coisas continuarem como estão – ou seja, se as emissões continuarem crescendo ao longo do tempo, principalmente no setor de energia –, enfrentaremos riscos de impactos severos e irreversíveis. Isso vale tanto para as pessoas quanto para os ecossistemas.
E a última, que eu acho a mais interessante, é a mensagem positiva que o IPCC procurou passar no relatório: há condições de lidar com a mudança do clima e com os riscos associados a ela. Há soluções possíveis que permitem a continuidade do desenvolvimento humano e econômico.
É preciso reverter e muito as emissões dos gases do efeito estufa se os países quiserem chegar a um aumento máximo de 2ºC na temperatura glogal – que foi o limite acertado pelos países nas negociações. Quanto mais se prorrogar isso, mais caro vai ficar. Maiores serão os desafios tecnológicos, institucionais e humanos.
O IPCC passou por uma crise de credibilidade em 2010, quando erros em alguns relatórios veio a público. Vocês ainda enfrentam problemas por causa disso?
Eu acredito que essa fase tenha sido completamente superada. Acho que essa fase inclusive ajudou o IPCC a fortalecer os seus procedimentos. O IPCC continua sendo a autoridade mais universalmente reconhecida no tema. A participação dos governos em todo o processo de aprovação dos relatórios do IPCC aumenta essa credibilidade.
Erros podem acontecer e precisam ser reconhecidos. O que foi feito depois daquele grande desafio que passamos foi uma revisão dos processos e procedimentos na elaboração do relatório. Erros são encontrados, e estamos falando de mais de 7 mil páginas de relatórios. Eu até acho surpreendente que não haja muitos erros, quando se considera esse volume todo: são cinco quilos de publicação com os três relatórios.
Quais são os próximos desafios científicos do IPCC?
Na minha opinião, temos dois desafios sempre presentes. Um deles é uma maior regionalização, ou seja, buscar uma melhor identificação dos riscos, impactos e mitigação de forma mais regionalizada. E a segunda é a busca incessante, a cada novo relatório, da redução das incertezas nos resultados que são apresentados. O conhecimento cientifico avançou muito em direção às certezas. E a gente espera que as incertezas não sejam um fator limitante para ações.
O Brasil passa por uma recessão neste momento, com cortes significativos em projetos de pesquisa. Isso pode afetar o avanço do conhecimento na área das mudanças climáticas no país?
O Brasil tem um grupo muito atuante na área de pesquisas de mudança do clima. Temos vários pesquisadores com uma atuação muito significativa dentro do IPCC. E essa participação não é por acaso. Ela é um reconhecimento dessa competência instalada no país e que tem que ser expandida.
Um dos pontos que eu acho importante é a capacidade do país de atuar em áreas onde países em desenvolvimento tem uma limitação grande, que é a area de modelagem. Modelagem é um dos elementos essenciais para os relatórios do IPCC e todos os grupos de trabalho.
O Brasil tem uma competência cientifica, mas também a infraestrutura técnica, nós temos supercomputadores, isso faz com que o país esteja numa outra categoria. É um investimento alto, mas traz realmente um retorno significativo para o país, inclusive na parte de regionalização dos resultados. Isso só pode ser feito quando você refina esses modelos climáticos globais para os regionais.
Mas eu vejo o cenário com preocupação. Se esses investimentos não continuarem, principalmente nessa parte de infraestrutura também no sentido de assegurar que o conhecimento cientifico seja expandido, continuamente, nós sentiremos esse impacto no futuro.
O que ter uma pesquisadora na vice-presidência no IPCC representa para o Brasil?
Essa eleição como vice-presidente do IPCC representa a continuidade do reconhecimento do Brasil como um pais que tem capacidade cientifica e técnica para contribuir com o painel.
Desde o primeiro relatório do IPCC, ou seja, início dos anos 1990, o Brasil participou muito ativamente. Estamos falando de uma contribuição de 25 anos. No primeiro relatório, a co-presidência era do Dr. Gylvan Meira Filho. No ciclo seguinte, o próprio Dr. Gylvan esteve na vice-presidência do painel, e eu fui copresidente da Força Tarefa de Inventários Nacionais. Mas essa eleição tem uma uma característica distinta: dessa vez é uma mulher, e nunca houve mulheres nesse patamar de liderança do IPCC.
As pesquisadoras no IPCC também enfrentam machismo e preconceito?
O IPCC sempre menciona a questão do equilíbrio de gênero. Mas é claro que isso é sempre muito difícil. A própria participação dos países no painel é praticamente toda masculina.
Por isso, foi uma enorme supresa a constituição desse conselho que vai atuar até 2020 com o número significativo de mulheres em posições-chave. Demonstra uma mudança. Eu nunca digo que existe diferença significativa nos resultados, se liderado por mulher ou por homem, mas há diferença no processo, na forma como tudo acontece. Então será muito interessante observar como, nesse período, o processo poderá ser alterado com a participação de mulheres.
Fonte: IHU On-line - retirado de Ecodebate.
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Pela primeira vez desde sua fundação, em 1988, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) terá mulheres no comando. Uma delas é a pesquisadora brasileira Thelma Krug, eleita para a vice-presidência do órgão até 2020. A posição também será ocupada pela norte-americana Ko Barrett e pelo malinês Youba Skona. O novo presidente do painel, o sul-coreanoHoesung Lee, assume no lugar de Rajendra Pachauri, que pediu demissão do cargo em fevereiro, após denúncias de assédio sexual.
Eleita por representantes de 195 países-membros, Thelma Krug, especialista em estatística espacial, é pesquisadora sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e preside a Força Tarefa em Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa do IPCC desde 2002.
Em entrevista à DW Brasil, 12-10-2015, ela falou sobre os desafios do combate às mudanças climáticas e o papel do IPCC nas pesquisas que embasam decisões políticas.a.
Eis a entrevista
O IPCC forma toda a base científica para a discussão nas Conferências do Clima. E a COP de Paris, em novembro, é especialmente importante, porque dela deve sair um acordo global para limitar as emissões de gases do efeito estufa. O que a senhora espera dessa conferência?
A mensagem no último relatório é muito forte, e eu espero que os países não esqueçam disso durante as negociações em Paris. Eu vejo três mensagens principais. Uma delas é sobre a certeza da influência humana: nós estamos influenciando o sistema climático e de uma forma crescente.
A segunda mensagem diz que se as coisas continuarem como estão – ou seja, se as emissões continuarem crescendo ao longo do tempo, principalmente no setor de energia –, enfrentaremos riscos de impactos severos e irreversíveis. Isso vale tanto para as pessoas quanto para os ecossistemas.
E a última, que eu acho a mais interessante, é a mensagem positiva que o IPCC procurou passar no relatório: há condições de lidar com a mudança do clima e com os riscos associados a ela. Há soluções possíveis que permitem a continuidade do desenvolvimento humano e econômico.
É preciso reverter e muito as emissões dos gases do efeito estufa se os países quiserem chegar a um aumento máximo de 2ºC na temperatura glogal – que foi o limite acertado pelos países nas negociações. Quanto mais se prorrogar isso, mais caro vai ficar. Maiores serão os desafios tecnológicos, institucionais e humanos.
O IPCC passou por uma crise de credibilidade em 2010, quando erros em alguns relatórios veio a público. Vocês ainda enfrentam problemas por causa disso?
Eu acredito que essa fase tenha sido completamente superada. Acho que essa fase inclusive ajudou o IPCC a fortalecer os seus procedimentos. O IPCC continua sendo a autoridade mais universalmente reconhecida no tema. A participação dos governos em todo o processo de aprovação dos relatórios do IPCC aumenta essa credibilidade.
Erros podem acontecer e precisam ser reconhecidos. O que foi feito depois daquele grande desafio que passamos foi uma revisão dos processos e procedimentos na elaboração do relatório. Erros são encontrados, e estamos falando de mais de 7 mil páginas de relatórios. Eu até acho surpreendente que não haja muitos erros, quando se considera esse volume todo: são cinco quilos de publicação com os três relatórios.
Quais são os próximos desafios científicos do IPCC?
Na minha opinião, temos dois desafios sempre presentes. Um deles é uma maior regionalização, ou seja, buscar uma melhor identificação dos riscos, impactos e mitigação de forma mais regionalizada. E a segunda é a busca incessante, a cada novo relatório, da redução das incertezas nos resultados que são apresentados. O conhecimento cientifico avançou muito em direção às certezas. E a gente espera que as incertezas não sejam um fator limitante para ações.
O Brasil passa por uma recessão neste momento, com cortes significativos em projetos de pesquisa. Isso pode afetar o avanço do conhecimento na área das mudanças climáticas no país?
O Brasil tem um grupo muito atuante na área de pesquisas de mudança do clima. Temos vários pesquisadores com uma atuação muito significativa dentro do IPCC. E essa participação não é por acaso. Ela é um reconhecimento dessa competência instalada no país e que tem que ser expandida.
Um dos pontos que eu acho importante é a capacidade do país de atuar em áreas onde países em desenvolvimento tem uma limitação grande, que é a area de modelagem. Modelagem é um dos elementos essenciais para os relatórios do IPCC e todos os grupos de trabalho.
O Brasil tem uma competência cientifica, mas também a infraestrutura técnica, nós temos supercomputadores, isso faz com que o país esteja numa outra categoria. É um investimento alto, mas traz realmente um retorno significativo para o país, inclusive na parte de regionalização dos resultados. Isso só pode ser feito quando você refina esses modelos climáticos globais para os regionais.
Mas eu vejo o cenário com preocupação. Se esses investimentos não continuarem, principalmente nessa parte de infraestrutura também no sentido de assegurar que o conhecimento cientifico seja expandido, continuamente, nós sentiremos esse impacto no futuro.
O que ter uma pesquisadora na vice-presidência no IPCC representa para o Brasil?
Essa eleição como vice-presidente do IPCC representa a continuidade do reconhecimento do Brasil como um pais que tem capacidade cientifica e técnica para contribuir com o painel.
Desde o primeiro relatório do IPCC, ou seja, início dos anos 1990, o Brasil participou muito ativamente. Estamos falando de uma contribuição de 25 anos. No primeiro relatório, a co-presidência era do Dr. Gylvan Meira Filho. No ciclo seguinte, o próprio Dr. Gylvan esteve na vice-presidência do painel, e eu fui copresidente da Força Tarefa de Inventários Nacionais. Mas essa eleição tem uma uma característica distinta: dessa vez é uma mulher, e nunca houve mulheres nesse patamar de liderança do IPCC.
As pesquisadoras no IPCC também enfrentam machismo e preconceito?
O IPCC sempre menciona a questão do equilíbrio de gênero. Mas é claro que isso é sempre muito difícil. A própria participação dos países no painel é praticamente toda masculina.
Por isso, foi uma enorme supresa a constituição desse conselho que vai atuar até 2020 com o número significativo de mulheres em posições-chave. Demonstra uma mudança. Eu nunca digo que existe diferença significativa nos resultados, se liderado por mulher ou por homem, mas há diferença no processo, na forma como tudo acontece. Então será muito interessante observar como, nesse período, o processo poderá ser alterado com a participação de mulheres.
Fonte: IHU On-line - retirado de Ecodebate.
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